Liberdade de informar versus o direito a um julgamento justo

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O direito à liberdade no Brasil surgiu como uma maneira de restringir os poderes absolutos que eram detidos na mão do imperador. Hoje, consagrado como direito fundamental pela Constituição, é previsto das mais diversas formas desde a manifestação do pensamento, expressão intelectual, artística, científica, de comunicação, profissional, até a liberdade de imprensa.

O direito do povo de ser informado trouxe esse amparo constitucional como uma medida de se proteger da censura que atormentou a sociedade brasileira durante os tempos ditatoriais. Mas, apesar de ser essencial, não é absoluto, devendo respeitar tanto os limites que a própria mídia traz, como os direitos de outras pessoas que possam estar envolvidas. Mas, como saber se esse limite foi ultrapassado? Vou trazer três exemplos de casos midiáticos famosos.

O primeiro deles é o caso Evandro, ocorrido em 1992. Esse acontecimento teve repercussão nacional por se tratar de um sequestro de uma criança ocorrido em Guaratuba, no Paraná, que teve como consequência a morte do menino. À época, um primo da família produziu um inquérito paralelo ao judicial e veio a acusar a filha e a esposa do prefeito da cidade, juntamente com um pai de santo e outros moradores locais, de estarem fazendo rituais de magia negra com crianças.

Nesse caso, tanto a mídia quanto o Ministério Público deram ampla liberdade a esse familiar, que tinha rixa política com o prefeito da cidade, e os acusados foram presos, torturados e perseguidos pela sociedade local por toda a exposição. Posteriormente, todos foram inocentados.

O segundo caso trata-se da Escola Base, ocorrido em São Paulo em 1994. Os proprietários da escola, uma professora e seu marido, que também era motorista do local, foram acusados pela imprensa de terem cometido abuso sexual contra quatro alunos. Posteriormente, todos foram inocentados e até hoje tramita um processo de indenização contra os principais canais de comunicação que veicularam a informação. Nesses dois primeiros casos, vê-se uma clara interferência dessa exposição à opinião pública em toda a condução do processo de investigação, que não teria ocorrido se não tivesse sido dada toda uma exposição midiática aos acontecimentos.

O terceiro exemplo é ainda mais difícil por ter uma grande repercussão nacional e internacional: o incêndio da Boate Kiss. Diferente dos anteriores, aqui já sabemos que existem culpados reais, porém, eles ainda não foram julgados, mesmo decorrido 10 anos do fato. Mas o devido processo legal preceitua que todos têm direito a um julgamento justo e imparcial. Daí, questionamos: Como os acusados (e os que foram omitidos de serem responsabilizados) terão esse juízo neutro, com uma pena legítima (porque condenados já sabemos que serão) com uma série sendo veiculada em uma rede de streaming e um documentário circulando em outro canal? Podemos fazer esse tipo de programação antes dos acusados serem julgados?

A legislação brasileira não se manifesta expressamente sobre essa vedação e aí vemos surgir esses conflitos entre o direito fundamental à informação e o direito fundamental ao devido processo legal. Nos dois primeiros casos, nós conseguimos achar culpados, mas nesse último o limiar entre os dois direitos não consegue nos dar uma certeza sobre qual proteção deve prevalecer. E esse é um dos mistérios que o Direito nos traz a cada novo dia.

Profª. Ma. Camila Arraes de Alencar Pimenta
Docente do Curso de Direito do Centro Universitário Ateneu
Doutoranda em Políticas Públicas, mestra em Direito Constitucional, especialista em Direito Processual: Grandes Transformações e graduada em Direito

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