Desafios clínicos no gerenciamento da ventilação mecânica

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O correto gerenciamento da ventilação mecânica (VM) é sempre desafiador. O conhecimento é nossa principal ferramenta para o sucesso do paciente neste período de suporte ventilatório invasivo. Sim! A palavra é suporte ventilatório, pois a VM não constitui uma terapia curativa e o seu papel enquanto fisioterapeuta intensivista é definir como meta terapêutica o desmame eficaz e breve da VM. Afinal, quanto maior o tempo de VM, piores serão os desfechos clínicos, a saber: aumento da mortalidade e da incidência de delirium, maior comprometimento da função musculoesquelética e da funcionalidade do paciente crítico.

Neste contexto, podemos destacar os principais desafios da VM. São eles: evitar a intubação, otimizar a troca gasosa, prevenir a lesão pulmonar e a disfunção diafragmática induzida pelo VM e desmame do suporte ventilatório invasivo.

  1. Evitar a intubação: Neste tópico, é importante ressaltar que os pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) são frequentemente admitidos por exacerbações respiratórias, diante da dificuldade em garantir uma ventilação alveolar adequada. Para tanto, estudos demonstram que a ventilação não-invasiva (VNI) tem alta eficiência na prevenção da intubação e na redução do risco de mortalidade de DPOCs e infecções nosocomial.

Além disso, pacientes com edema agudo de pulmão cardiogênico também se beneficiam com o uso da VNI. O CPAP (modo de pressão contínua nas vias aéreas) é a modalidade de escolha com excelente resposta para os pacientes admitidos em unidades de terapia intensiva (UTIs) por EAP Cardiogênico, enquanto a terapia medicamentosa com diuréticos surte efeito. Todavia, na população com insuficiência respiratória hipoxêmica e refratária à oxigenoterapia convencional e à VNI, o cateter nasal de alto fluxo tem sido mais eficaz na melhora do desconforto respiratório e redução da taxa de intubação nestes pacientes.

  1. Otimizar a troca gasosa: A maioria dos pacientes em VM oxigenam e ventilam facilmente com razoáveis FiO2 e níveis de pressão expiratória final positiva (PEEP) baixos a moderados. Porém, uma importante parcela dos pacientes ventilados mecanicamente, apresenta hipoxemia persistente, com RX demonstrando infiltrado bilateral difuso, indicando-nos ao diagnóstico clínico de síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA). Na tomografia de tórax, há regiões densamente consolidadas e de atelectasias, com áreas de volumes menores, conhecidas como “baby lung”.

Eis o grande impasse, como otimizar a troca gasosa em pacientes com pulmões tão heterogêneos? A evidência nos orienta a avaliar a mecânica respiratória do paciente, para manter a pressão de distensão (driving pressure = pressão de platô – PEEP) < 15 cmH2O, pressão de platô <35 cmH2O, VC 3-6ml/kg, verificar o potencial de recrutabilidade dos pulmões, e se necessário, usar manobras de recrutamento, com o devido cuidado à manutenção da estabilidade hemodinâmica do paciente; realizar prona pelo menos por 16h/dia nos pacientes com índice de oxigenação (IO = PaO2/FiO2) < 150 e FiO2>60%, pois a posição prona reverte a direção da força gravitacional da lesão pulmonar, facilita o recrutamento dorso-basal dos pulmões e melhora o clearance pulmonar.

  1. Prevenir a lesão pulmonar e a disfunção diafragmática induzida pelo VM: A heterogeneidade do parênquima pulmonar (alvéolos pouco distendidos, que são constantemente reabertos), ampliam localmente as tensões mecânicas e promovem lesão pulmonar. Neste contexto, muitas evidências apontam também que a inatividade do diafragma durante a VM produz rápida atrofia muscular (aproximadamente 40% dos indivíduos) e disfunção contrátil.

Dessa forma, podemos concluir que uma VM segura e efetiva depende da boa interação entre os músculos respiratórios (paciente) e a assistência ventilatória ofertada pelo equipamento, mas gerenciada pelo profissional intensivista (na maior parte do tempo representado pelo fisioterapeuta).

  1. Desmame do suporte ventilatório invasivo: A literatura evidencia que 20 a 40% dos pacientes em VM apresentam dificuldade de respirar fora do ventilador. Tal desfecho está associado ao tempo prolongado de ventilação mecânica e restrição no leito. Portanto, o sucesso no desmame do suporte ventilatório invasivo pressupõe: realização diárias de testes de respiração espontânea, redução dos níveis de sedativos, prática efetiva e sistemática da mobilização precoce, otimização da diurese para evitar o edema pulmonar induzido pelo desmame e não protelar a reintubação diante da insuficiência respiratória pós-extubação.

Por fim, podemos destacar que o bom êxito, frente aos desafios clínicos da ventilação mecânica, está diretamente ligado ao engajamento e compromisso de cada intensivista multiprofissional na constante e correta avaliação das respostas aos suportes não-invasivos, para o pronto estabelecimento da VM invasiva, além da eficaz monitorização da mecânica ventilatória e da busca de incoordenações entre o paciente e o ventilador mecânico (assincronias), para evitar piora das injúrias pulmonar e diafragmática.

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Prof. Me. Rogleson Albuquerque Brito
Docente do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Ateneu
Doutorando e mestre em Ciências Médicas, especialista em Residência Multiprofissional em Terapia Intensiva e graduado em Fisioterapia.

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