A “Polícia Municipal” e a vedação legal da Constituição Federal

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Avaliando o cenário nacional dos últimos anos, observa-se o crescimento da violência de forma alarmante. Diante desse embate diário, está o desafio de encontrar formas de controle dos conflitos urbanos relacionados à violência. É impossível negligenciar a importância da segurança pública dentro dos debates na esfera pública no Brasil. Seja no âmbito intelectual, ou na privacidade domiciliar, o tema se tornou uma constante no nosso imaginário social.

Alguns municípios na busca da solução “mirabolante” de combate ao aumento da criminalidade adotaram a denominação de “polícia municipal” para suas guardas municipais. Tenho visto ultimamente algumas viaturas do município do Eusébio (CE) com essa denominação, não sabendo especificar se por força de lei municipal ou de simples “capricho”.

O certo é que recentemente o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo declarou a inconstitucionalidade de leis municipais de alguns municípios paulistas que alteravam a denominação da guarda municipal para “polícia municipal”, fundamentando que a autonomia político-administrativa dos municípios não tem caráter absoluto, devendo respeitar as balizas constitucionais de âmbito estadual e federal, vide fragmento das decisões:

“Não se afigura razoável que a legislação municipal altere essa denominação para polícia municipal, quebrando a uniformidade da expressão adotada pela Constituição Federal e pelo próprio Estatuto Geral das Guardas Municipais (Lei Federal nº 13.022, de 8 de agosto de 2014), ainda que se argumente com a semelhança das funções, pois, os próprios dispositivos constitucionais diferenciam as atribuições da Guarda Municipal e as atividades policiais (exercidas para preservação da ordem pública e incolumidade das pessoas e do patrimônio)” (ADI nº 2098711-45.2019.8.26.0000).

“Embora assegurado aos municípios, a faculdade de instituir sua própria guarda municipal, ao fazê-lo, não pode desbordar os limites constitucionais pré-estabelecidos. A denominação ‘polícia’ foi propositadamente destinada a determinados órgãos da segurança pública”. Proc. nº 2240667-78.2021.8.26.0000 – SP.

“Assim, como bem destacado no parecer da douta Procuradoria-Geral do Estado e Procuradoria-Geral de Justiça, a designação de ‘polícia’, somente cabe à força de segurança dos Estados e da União, sendo inconstitucional a sua apropriação pelas guardas municipais”. Proc. nº 2040450-19.2021.8.26.0000 – SP.

Dessa forma, é vedada a criação de órgão distinto com atribuições típicas de segurança pública. A guarda municipal é corporação que contribui no fortalecimento dos serviços públicos de qualidade como a proteção dos serviços e instalações municipais. Logo, as guardas municipais não fazem parte do sistema de combate a crimes e possui natureza de zeladoria, o que não é nenhum menosprezo.

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 144, elenca os órgãos que compõem a segurança pública, sendo eles a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Ferroviária Federal (atualmente inexiste), as polícias civis estaduais, as polícias militares e corpos de bombeiros militares estaduais, além das polícias penais federais e estaduais (estas incluídas pela Emenda Constitucional nº 104/2019).

Em relação aos municípios, dispôs, em seu § 8º, que estes poderão instituir guardas municipais destinados à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. Nesse diapasão, o Estatuto Geral das Guardas Civis Metropolitanas (GCMs) estabelece, em seu artigo 4º, e em consonância com a Carta Magna, que: “é competência geral das guardas municipais a proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais e instalações do Município”.

Aliás, em seu artigo 5º, o Estatuto prescreve que a competência específica das guardas municipais deverá respeitar “as competências dos órgãos federais e estaduais”. Portanto, vemos de antemão que as guardas municipais não exercem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, pelo menos não com a mesma amplitude e intensidade das polícias militares, sob pena de invasão de competência constitucional. Nesse espírito, escreveu o professor Bernardo Gonçalves Fernandes (Curso de Direito Constitucional. 13ª ed. Juspodivm. 2021. Pág. 1.972) que o STF definiu, nos MI nº 6.515, 6.770, 6.773, 6.780 e 6.874 em 2018, que: “A proximidade da atividade das guardas municipais com a segurança pública é inegável, porém, à luz do § 8º do art. 144 da CR/88, sua atuação é limitada, voltada à proteção do patrimônio municipal”.

Porém, a despeito do exercício de atividade de segurança pública, dela não são órgãos. Bem recentemente, em 2021, a Corte Máxima definiu que as guardas municipais possuem direito ao porte de arma, independente do número de habitantes da cidade. Nada obstante a Suprema Corte tenha reconhecido a essencialidade da guarda municipal nas atividades de segurança pública, em nenhum momento o tribunal afirmou que a instituição exerceria função de polícia ostensiva, tampouco em concorrência com a polícia ostensiva dos Estados.

O ministro do STF Alexandre de Moraes, de forma idêntica, assinala: “A Constituição Federal concedeu aos municípios a faculdade, por meio do exercício de suas competências legislativas, de constituição de guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei, sem, contudo, reconhecer-lhes a possibilidade de exercício de polícia ostensiva ou judiciária”.

Portanto, não se pode querer consertar o problema da segurança pública criando outro problema, no caso para o erário e a gestão financeira municipal. Ademais, ousaríamos dizer que, nem mesmo por emenda constitucional seria possível alterar o atual esquema constitucional de segurança pública para incluir as guardas civis no rol do artigo 144, sem graves prejuízos ao seu harmônico e sistêmico funcionamento, principalmente, tendo em vista os recursos disponíveis no âmbito dos municípios para fazer frente aos seus serviços.

Profª. Ma. Débora Duarte de Paula
Docente do Curso de Gestão de Recursos Humanos do Centro Universitário Ateneu
Mestra em Políticas Públicas

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