Por certo, o ano de 2020 oportunizou repensar algumas práticas antes desenvolvidas na economia mundial, as quais suscitaram uma ressignificação da racionalidade perpetrada pelas políticas estatais, pelas indústrias e por empresários, principalmente, no tocante ao crescimento econômico, desenvolvimento humano, meios de produção e meio ambiente.
A presente análise baseia-se nesse ponto de virada, em um momento em que a racionalidade econômica de um progresso sem limites passa a ser repensada, decrescida e reformulada, oportunidade em que os meios digitais ganharam espaço como forma comercial viável e, possivelmente, menos danosa ao meio em que se vive.
Esse movimento ganha mais força e credibilidade em um contexto de isolacionismo social e restrição de direitos ocasionado pela pandemia do novo Coronavírus, no qual empresas, entregas, entrevistas, reuniões, aulas, dentre outras atividades humanas, que antes necessitariam de deslocamento, foram substituídas por homeoffice, aplicativos e sistemas digitais.
É um momento em que novas empresas, novos produtos e novos serviços poderão remodelar e/ou substituir alguns mercados tornados obsoletos. Alguns benefícios deste novo modelo comercial são o encurtamento das distâncias, tornando desnecessários deslocamentos, viagens, mudanças para grandes metrópoles, existência de grandes shoppings e grandes polos industriais.
Consolida-se a Economia 4.0, também nominada de Indústria 4.0, advinda do conceito criado pelos alemães, em alusão às três revoluções industriais anteriores: máquina à vapor, eletricidade,e automação, respectivamente. Adalberto Pasqualotto e Michelle Bublitz explicam que essa realidade é operacionalizada por intermédio do uso das principais inovações tecnológicas (sistemas cyber-físicos, internet das coisas e internet dos serviços), resultando em mudanças significativas de mercado, tais como as observadas em 2020.
Mas a Indústria 4.0 ainda vai além e também permite a criação de novos modelos de negócio baseados no digital e suas potencialidades. Esses novos modelos de negócio se integram à indústria das mais diferentes maneiras, formatando um novo modelo de relação. Isso porque essas tecnologias já permitem uma lógica muito mais colaborativa e participativa, criando uma forte sinergia e potencializando a capacidade de transformação de mercado.[1]
Apesar dos benefícios elencados, existem algumas lacunas a serem evidenciadas, como a existência do analfabetismo digital, a necessidade de subsídio para acesso digital por camadas mais pobres, além da melhoria da qualidade das telecomunicações brasileiras, preparando o mercado consumidor para este novo nicho tecnológico.
Neste entremeio, alguns questionamentos persistem: se este caminho é melhor que o anterior praticado? Pois, apesar da defesa dos meios menos poluentes e da diminuição da utilização do carbono, sabe-se que a tecnologia também traz resíduos e o aquecimento global não provêm somente da queima do petróleo, mas de toda energia dissipada em uma combustão qualquer.
Talvez, possa-se argumentar que a Economia 4.0 é menos poluente ou com mais facilidades em praticar economias circulares, tal como proposto, inicialmente, por Nicholas Georgescu-Roegen[2]. O autor observa que nem sempre a economia esteve ligada à ideia de desenvolvimento, o qual impulsionava o crescimento e ocorria associado ao desenvolvimento. Desse processo, resultou o que se conhece como “crescimento econômico” cujas raízes estão pautadas na natureza humana. Contudo, o desenvolvimento pode ocorrer sem que exista necessariamente crescimento.
Nesta mesma linha de raciocínio, posteriormente, Serge Latouche afirmou ser necessária a mudança de valores e, não somente, a alteração do padrão de medida da sociedade. Desmistifica a ideia equivocada de que decrescimento significa retrocesso, mas sim, a existência de uma sociedade que utiliza os bens naturais para a realização existencial digna e necessária para a coexistência pacífica, em um ciclo virtuoso, a garantir a qualidade de vida dos seres e a regeneração dos bens naturais utilizados.
O economista, portanto, sustenta que o decrescimento é um projeto político de construção, tanto no norte como no sul, de sociedades convivais autônomas e econômicas, inserido em um ciclo de 8 “erres”: Reavaliar, reconceituar, reestruturar, redistribuir, relocalizar, reduzir, reutilizar/reciclar. Possui, portanto, duas facetas interdependentes: a inovação política e a autonomia econômica.
Nesse ínterim, destaca-se a política perpetrada pelas Nações Unidas em associação ao Banco Mundial para a adoção do programa “Princípios para Bancos Responsáveis”[3] pelo mercado privado, a qual preza por disponibilização de investimento a longo prazo que sirvam à sociedade, e não somente aos acionistas, com o compromisso em adotar estratégias empresariais alinhadas aos objetivos globais sustentáveis, além de estimular as práticas bancárias a criar uma prosperidade compartilhada[4].
A tecnologia é referida pelo órgão internacional como um facilitador: “dando início às mudanças transformadoras de que precisamos para criar comunidades e sociedades mais fortes, resilientes e inclusivas em um planeta saudável”[5], diz Antônio Guterres, ressaltando essa necessidade, principalmente, após a pandemia ocasionada pelo Coronavírus. Este ensejo culminou em políticas ambientais mais expressivas, à exemplo do Green New Deal, proposto na política norte-americana[6] e da Bioeconomia impulsionada pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
Por fim, o que se pode extrair desse cenário é a constatação de que, com a mudança dos investimentos e instrumentos de negócios internacionais, os mercados locais adentram em um momento de reformulação do seu modus operandi, ideais perpetrados, formas de manejo e cadeias de produção a visar uma nova racionalidade econômica, pautada na sustentabilidade ambiental, adequação dos produtos aos novos anseios dos consumidores e utilização da tecnologia como impulsionador desse processo.
Profª. Ma. Érica Valente Lopes
Docente do Curso de Recursos Humanos da UniAteneu
Doutoranda em Direito, mestre em Direito Constitucional e Teoria Política, especialista em Direito Público e advogada
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[1] PASQUALOTTO, Adalberto; BUBLITZ, Michelle Dias. Desafios do presente e do futuro para as relações de consumo ante indústria 4.0 e a economia colaborativa. Revista de Direito, Globalização e Responsabilidade nas Relações de Consumo, v. 3, n. 2, p. 62-81, 2017, p. 65-67.
[2] GEORGESCU-ROEGEN, Nicholas. O decrescimento. Entropia–Ecologia–Economia. São Paulo: Ed. Senac, 2012, p. 104-105.
[3] UNEP FINANCE INITIATIVE. Principles for Responsible Banking. Disponível em: https://www.unepfi.org/banking/bankingprinciples/. Acesso em: 25 jul. 2020.
[4] Os Princípios para Bancos Responsáveis ajudam a indústria a demonstrar como um sistema bancário sustentável contribui positivamente à sociedade. Dotam-se de 6, dentre os quais: Alinhamento, Definição de Impacto e Metas, Clientes e Consumidores, Acionistas, Governança e Cultura, Transparência e Responsabilização. (Tradução nossa).
[5] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Finanças digitais devem apoiar mudanças rumo ao desenvolvimento sustentável, diz ONU. Disponível em: https://nacoesunidas.org/financas-digitais-devem-apoiar-mudancas-rumo-ao-desenvolvimento-sustentavel-dizonu/. Acesso em: 26 ago. 2020. 7 INSTITUTO HUMANITAS UNISIN
[6] INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS. Green New Deal, o plano democrático para salvar o meio ambiente que assusta Trump. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/587486-green-new-deal-o-planodemocratico-para-salvar-o-meio-ambiente-que-assusta-trump. Acesso em: 01 nov. 2020.