Ganha, mas não leva!

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A ideia de ganhar uma ação judicial, notadamente nas ações que resultam em recebimento de valores, traz logo após a sensação de vitória, a ansiedade e o questionamento: será que irei receber e quando? Assim o cumprimento das sentenças, quando não satisfeitas de imediato, geram as execuções forçadas e as tentativas de constrições de bens e valores do devedor. Após diversas tentativas, tais como: penhora de contas bancárias, penhora de bens móveis e imóveis, dentre outras, todas inexitosas, a angústia se alastra. Daí a dúvida: ganhei, mas não levei?!

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a aplicação de medidas alternativas e atípicas são válidas para assegurar o cumprimento de ordem judicial. Assim, o plenário do STF, por maioria de votos, declarou a constitucionalidade de dispositivo do Código de Processo Civil (CPC), especificamente, o artigo 139, inciso IV, onde prevê que: “O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: IV – Determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5941) foi proposta pelo Partido dos Trabalhadores (PT), alegando que o referido artigo do CPC, que autoriza ao juiz determinar medidas coercitivas para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive, nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária, por mais legítimas que sejam, não poderiam se dar sob o sacrifício de direitos fundamentais, tampouco atropelar o devido processo legal constitucional.

Em contrapartida, o posicionamento da Advocacia Geral da União (AGU) considerou que as medidas, se aplicadas de acordo com os direitos constitucionalmente assegurados, privilegiando a proporcionalidade e a razoabilidade, são válidas e não comprometem o direito de liberdade e locomoção. Já a Procuradoria Geral da República (PGR) posicionou-se no sentido de que as medidas são desproporcionais e atingem os direitos fundamentais de ir e vir e de circular pelo território nacional.

Na qualidade de terceiro interessado no processo, a Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro) se manifestou pela inconstitucionalidade da norma, entendendo que nas ações pecuniárias, as medidas ferem direito patrimonial. Contudo, a sociedade busca incessantemente “ganhar e levar”, ou seja, dar efetividade e satisfação às ordens judiciais, mesmo diante do inadimplemento e descaso dos devedores que por diversas formas, conseguem eximir-se do cumprimento das decisões judiciais e ainda são contemplados com a prescrição intercorrente que contribui para ratificar a expressão “devo não nego, pago quando puder. Porém, esse dia nunca deixarei chegar!”.

Sem dúvidas, o impasse maior reside no ponto em que a autorização genérica contida no dispositivo legal, tenta garantir ao juiz, o dever de dar efetividade às decisões sem, contudo, ampliar excessivamente a discricionariedade judicial e ferir direitos fundamentais. Todavia, ressalvo o voto do relator, quando destacou que caberá ao magistrado, ao aplicar as novas técnicas autorizadas, obedecer aos valores especificados no próprio ordenamento jurídico, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana.

Como também ressalto a divergência parcial ao voto do relator, que considerou inconstitucional a parte final do dispositivo legal, por entender que o devedor não pode sofrer sanção que restrinja sua liberdade ou seus direitos fundamentais em razão da não quitação de dívidas, exceto na hipótese do devedor de alimentos. Nessa balança, foi considerada a necessidade de fazer valer os julgados do Poder Judiciário, e, por conseguinte, a satisfação do credor e a devida punição do devedor, prevalecendo e validando as medidas atípicas citadas. Todavia, para tanto, caberá ao magistrado observar a proporcionalidade e razoabilidade da medida, caso a caso, após o devido processo legal.

Profª. Anna Cândida Gomes Ferreira
Docente do Curso de Direito do Centro Universitário Ateneu
Especialista em Tecnologias na Educação, em Aperfeiçoamento de Magistrado e em Direito Privado e graduado em Direito

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