Revitalizando o vazio: o mercado da Aerolândia como metáfora de Fortaleza

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O mercado da Aerolândia, em Fortaleza (CE), passou por uma revitalização onerosa há alguns anos, iniciada em 2012 e finalizada em 2015, que incluiu reformas em sua estrutura original e a instalação de novos equipamentos, como câmaras frigoríficas para modernizar o espaço e atender melhor às demandas dos comerciantes e da população local. No entanto, esse esforço de revitalização, que deveria ter promovido o desenvolvimento econômico e social da região, resultou no fechamento do mercado em 2020, após um curto período de funcionamento. Nos últimos quatro anos, o mercado permaneceu fechado, o que levanta questões sobre a eficácia e o planejamento dessa intervenção.

Uma possível explicação para o fechamento do mercado da Aerolândia após a revitalização pode estar relacionada ao aumento dos custos operacionais dos quiosques. A modernização das instalações pode ter elevado significativamente os valores dos aluguéis e taxas cobradas dos permissionários, afastando pequenos comerciantes que não conseguiam arcar com os novos custos. Esse afastamento dos comerciantes locais, que eram os principais usuários e mantenedores do mercado, poderia ter contribuído para a inviabilidade econômica do espaço, levando ao seu fechamento.

Além disso, a revitalização do mercado da Aerolândia foi realizada sem uma requalificação adequada do entorno, evidenciando uma falta de planejamento integrado. O bairro da Aerolândia, historicamente marcado por deficiências urbanas, como a ausência de serviços básicos, continua a enfrentar desafios significativos. A revitalização de um equipamento público de grande importância social, sem a devida atenção às condições socioeconômicas e infraestruturais do seu entorno, resulta em uma desconexão entre o equipamento revitalizado e a realidade vivida pela comunidade. Isso gera uma ruptura nas dinâmicas socioespaciais estabelecidas, causando estranhamento entre os moradores e usuários habituais, que acabam se afastando do espaço.

Essa situação ilustra um problema recorrente nas políticas urbanas de muitas cidades brasileiras, onde intervenções urbanas pontuais são feitas em equipamentos ou espaços públicos sem considerar o contexto mais amplo e as necessidades reais da população. Nos últimos quatro anos, o mercado permaneceu fechado, levantando questões sobre a eficácia e o planejamento por trás da revitalização. Um ponto crítico a ser considerado é se essa reforma, que envolveu um investimento considerável de recursos públicos, não acabou por elevar os custos dos quiosques a um nível insustentável para os permissionários. Se isso ocorreu, pode ter afastado os comerciantes tradicionais, que não conseguiram arcar com o aumento de custos, resultando no fechamento do mercado.

Outro aspecto que gera questionamentos é a decisão de revitalizar um equipamento público tão importante sem realizar melhorias significativas no entorno. O bairro da Aerolândia, onde o mercado está localizado, enfrenta uma série de deficiências urbanas, incluindo a falta de serviços básicos, infraestrutura inadequada e uma manutenção urbana insuficiente. Ao revitalizar o mercado sem requalificar o bairro, criou-se um contraste entre o equipamento renovado e o ambiente degradado ao redor, o que pode ter contribuído para o afastamento dos usuários habituais.

A revitalização do mercado não levou em consideração a importância da sua integração com o contexto socioespacial estabelecido no bairro. A dinâmica social do mercado da Aerolândia era fundamentada em sua função como um ponto de encontro e abastecimento para a comunidade local. Alterar a sua estrutura sem melhorias correspondentes na área ao redor pode ter rompido essa conexão, gerando estranhamento e a consequente perda de interesse por parte dos moradores.

Agora, há uma proposta para uma nova “intervenção urbana” que visa reunir novamente os dois mercados que foram separados em 1938. Contudo, essa iniciativa levanta uma série de preocupações. Primeiro, o anexo que unia os mercados foi perdido durante a separação, o que significa que será necessário construir um novo anexo. Isso levanta dúvidas sobre a capacidade da Prefeitura de Fortaleza de reproduzir a qualidade do equipamento original e, mesmo que a prefeitura consiga, o custo dessa obra, que utilizará verba pública, pode ser considerado injustificado diante das inúmeras outras demandas urbanas prioritárias.

Além disso, questiona-se a pertinência de dar uma nova função ao mercado da Aerolândia, transformando-o em um polo gastronômico. Fortaleza já possui outros polos gastronômicos, e essa proposta pode ser vista como um desperdício de recursos. Transformar o mercado em algo que não reflete a realidade socioeconômica da população local, em uma cidade onde muitas pessoas enfrentam insegurança alimentar, parece uma decisão desconectada das necessidades reais da população.

Outro exemplo de intervenção urbana controversa em Fortaleza foi a transformação da Estação João Felipe em um centro cultural. Embora centros culturais sejam importantes, a cidade já possui uma quantidade significativa desses equipamentos, enquanto enfrenta desafios mais urgentes, como baixos índices de educação e cultura entre a população. Portanto, as verbas que estão sendo destinadas a esses projetos, que parecem mais focados em criar uma “cidade-cenográfica” para atrair investimentos e turismo, poderiam ser redirecionadas para iniciativas de maior impacto social, como melhorias nas escolas públicas e programas que abordem as desigualdades sociais e econômicas de Fortaleza. Daí podemos concluir que a cidade, que se transformou em uma mercadoria, está sendo moldada mais para ser vendida do que para ser vivenciada por seus próprios cidadãos.

Prof. Me. Frederico Augusto Nunes de Macêdo Costa
Coordenador do Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Ateneu
Doutorando em Arquitetura e Urbanismo, mestre em Geografia Urbana, especialista em Gestão Ambiental e em Geoprocessamento aplicado à Análise Ambiental e graduado em Arquitetura e Urbanismo.

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