A individualização de questões sociais e a transformação de vivências concernentes ao desenvolvimento infantil em aspectos do campo médico fazem parte do leque de implicações do processo de medicalização da vida vivenciado hoje pela sociedade. Isso implica na tendência de considerar problemas de natureza complexa, como dificuldades de aprendizagem, tristeza ou inquietação, como condições sintomatológicas que requerem intervenção, na maioria das vezes, farmacológica.
Tal fenômeno, ancora-se em um processo de patologização de características normais da vida que passam a ser vistas como características que devem ser reparadas, consertadas ou modificadas, principalmente, quando a sociedade adota padrões estreitos de normalidade, levando à estigmatização de indivíduos que não se encaixam nesses padrões. No campo da infância, esse acontecimento tem sido cada vez mais comum.
A medicalização da infância tem distanciado as crianças de uma vivência autêntica desse momento da vida, à medida em que aproxima aspectos naturais do desenvolvimento com categorias diagnósticas. A fantasia, a curiosidade, a inquietação e outros aspectos próprios a essa experiência tem se perdido em meio às fortes cobranças para com esse público que, diante das exigências do contemporâneo, tem sido cada vez mais aprisionados nos enlaces da produtividade, da normatização e dos diagnósticos.
A medicalização excessiva da infância acarreta uma série de problemas que merecem atenção. Em primeiro lugar, ela pode resultar na rotulação prematura de crianças com diagnósticos psiquiátricos, muitas vezes baseados em critérios subjetivos e em uma compreensão limitada do desenvolvimento infantil. Isso pode levar à estigmatização e à internalização de rótulos que afetam negativamente a autoestima e o desenvolvimento emocional das crianças.
Além disso, a dependência excessiva de medicamentos psicotrópicos para tratar problemas comportamentais pode ocultar questões subjacentes, como trauma, dificuldades familiares ou necessidades educacionais especiais, impedindo abordagens mais abrangentes e eficazes. A medicalização também pode desviar recursos de intervenções preventivas e de apoio psicossocial que abordam as necessidades da criança de uma maneira mais holística.
É crucial, portanto, adotar uma abordagem mais cautelosa e equilibrada ao lidar com os desafios comportamentais e emocionais na infância, garantindo que o bem-estar da criança seja priorizado e que todas as suas necessidades sejam devidamente consideradas. A importância de permitir que as crianças sejam verdadeiramente crianças reside no reconhecimento e no respeito à sua natureza única, curiosa e em constante desenvolvimento.
Permitir que as crianças brinquem, explorem, experimentem e criem em um ambiente seguro e acolhedor é fundamental para o seu bem-estar emocional, físico e cognitivo. O brincar é uma atividade essencial que promove o desenvolvimento de habilidades sociais, emocionais e motoras, além de estimular a imaginação e a criatividade. É através do brincar que as crianças aprendem sobre si mesmas e sobre o mundo ao seu redor, desenvolvendo competências fundamentais para a vida adulta, como resiliência, colaboração e resolução de problemas.
Profª. Bruna Myrla Ribeiro Freire
Docente do Curso de Psicologia do Centro Universitário Ateneu
Mestranda em Psicologia, especializanda em Docência no Ensino Superior, especialista em Saúde Mental e graduada em Psicologia
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