Etarismo e preconceito contra o envelhecer: uma doença cultural do mundo atual?

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Ao longo da história humana, houve múltiplos olhares sobre o velho e a velhice. Uma ampla gama de fatores influencia esse olhar, como o tipo de sociedade, a conjuntura histórica e a cultura na qual se está inserido. Em diversas sociedades ocidentais, a valorização pessoal aparece ligada a aspectos como juventude, capacidade física, vitalidade e beleza; ao passo que em alguns países e culturas orientais a velhice é objeto de adoração, pois jovens se aproximam dos idosos em busca de conhecimentos e experiência de vida (Araújo; Carvalho, 2005).

Por sua vez, a tradição de muitos povos africanos, cuja cultura em boa parte é pautada na transmissão intergeracional de saberes por meio da oralidade, reconhece positivamente a velhice e promove uma reverência dos jovens em relação aos velhos porque estes materializam uma temporalidade ligada aos antepassados. Conforme aponta Marques (2017), na África tradicional, o que mais se preza é a herança ancestral e o reconhecimento pelos saberes dos mais velhos, o que é expresso em frases como: “Aprendi com meu mestre”; “Aprendi com meu pai”; e “Foi o que suguei no seio de minha mãe”.

Porém, nos países e povos de cultura escrita, como é o caso de praticamente todo o mundo ocidental, parece predominar a tendência em se desvalorizar o velho. No caso brasileiro, a própria legislação (Brasil, 2003) reflete certo desconforto com a expressão “velho” e não utiliza esse termo para se referir às pessoas com 60 anos ou mais. Tem-se o estatuto do “idoso” (e, não, do “velho”) que recentemente foi atualizado para a nomenclatura de estatuto da “pessoa idosa” (mas, não, da “pessoa velha”).

E como é o olhar da sociedade brasileira sobre as “pessoas idosas”? Vale ressaltar que na formação do Brasil, há forte contribuição das culturas africanas e indígenas, estas também pautadas pelo respeito à representação da velhice. Entretanto, parece que essas heranças pouco influenciam na percepção que se tem do velho no Brasil.

Será que, em um mundo cada vez mais pautado pela tecnologia e pela aceleração na transmissão de informações, os saberes orais e as experiências de vida dos velhos estão sendo cada vez menos valorizados? Diante de tanta “modernidade” e de um mundo cada vez mais narcisista, será que o velho não é percebido cada vez mais com algo ultrapassado, decadente e improdutivo?

Noutros termos, a provocação que se tenta fazer aqui é que mudam as palavras, mas não as coisas. O etarismo, preconceito contra o envelhecer, permanece. A desvalorização da figura do velho, bem como certo pavor frente ao envelhecimento, é em boa parte cultural. Arrisca-se a dizer: “uma doença cultural”. A situação é bastante agravada pela adesão de milhões de pessoas a mídias sociais que promovem um verdadeiro culto ao corpo, “vendendo” realidades e rostos enganosamente perfeitos, endeusando procedimentos estéticos excessivos e até caricatos, a ponto de inúmeros indivíduos terem a saúde mental afetada pelo pavor do envelhecer. O mundo atual tem verdadeiros exércitos de Dorians Grays.

Ressalte-se que, com a emergência da psicologia do envelhecimento, em meados do século XX, percebeu-se que o medo do desconhecido aparece em todas as etapas da vida humana e afeta as pessoas de maneiras e intensidades diferentes, inclusive os velhos. Nesse processo, a American Psychological Association alerta que o preconceito de idade é uma questão séria, devendo ser tratada da mesma forma que a discriminação baseada em gênero, etnia ou orientação sexual, pois pode acarretar sentimentos de exclusão, baixa autoestima e isolamento, afetando diretamente a saúde mental.

Para ajudar a combater o etarismo, é importante que instituições públicas e privadas invistam em programas de educação que sensibilizem a sociedade para um debate mais assertivo sobre o assunto. Debater o etarismo e suas consequências nas escolas também é um fundamental, conscientizando sobre a importância das experiências de vida e conhecimentos dos mais velhos.

Ainda, um dos principais caminhos para se combater o preconceito contra a velhice talvez seja a própria compreensão psicossocial do envelhecimento, buscando-se formas realmente saudáveis para se experenciar esse processo. Mas, não para tentar derrotar o tempo, e sim, para entender a riqueza que pode ser o envelhecer. Como, certa vez, já disse sabiamente a atriz italiana Anna Magnani: “não tirem minhas rugas, elas me custaram muito”.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Ludgleydson Fernandes de; CARVALHO, Virgínia Ângela M. de Lucena. Aspectos Sócio-históricos e Psicológicos da Velhice. Mneme. Revisa de Humanidades. Departamento de História e Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. V. 06. N. 13, dez.2004/jan.2005, p. 228-236.
BRASIL. Lei 10.471/2003. Estatuto da Pessoa Idosa. Diário Oficial da União, Brasília, Distrito Federal, 03 dez. 2003.
MARQUES, Janote Pires. Além da história, a tradição oral: considerações sobre o ensino de história da África na educação. Educação & Formação. Revista do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Fortaleza, v. 2, nº 5, maio/ago 2017, p.164-182.

Prof. Dr. Janote Pires Marques
Docente do Curso de Pedagogia do Centro Universitário Ateneu.
Doutor em Educação Brasileira, mestre e graduado em História.

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