Desafios clínicos em ventilação mecânica

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O correto gerenciamento da ventilação mecânica (VM) é sempre desafiador. O conhecimento é nossa principal ferramenta para o sucesso do paciente neste período de suporte ventilatório invasivo. Sim! A palavra é suporte ventilatório, pois a VM não constitui uma terapia curativa e o seu papel enquanto fisioterapeuta intensivista é definir como meta terapêutica o desmame eficaz e breve da VM. Afinal, quanto maior o tempo de VM, piores serão os desfechos clínicos, a saber: aumento da mortalidade e da incidência de delirium, maior comprometimento da função musculoesquelética e da funcionalidade do paciente crítico.

A pandemia da Covid-19 chama-nos à atenção o elevado percentual de pacientes que evoluem com insuficiência respiratória aguda grave e, por conseguinte, acabam necessitando de um suporte ventilatório não-invasivo – em um momento inicial – e frente a piora clínica são intubados e conectados a VM invasiva. Por isso, é tão importante que a equipe multiprofissional esteja apta a gerenciar da forma mais correta (menos lesiva) possível o ventilador mecânico.

Neste contexto, podemos dividir os principais desafios da VM em quatro grupos, os quais são descritos a seguir:

  1. Evitar a intubação: Neste tópico, é importante ressaltar que os pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) são frequentemente admitidos por exacerbações respiratórias, diante da dificuldade em garantir uma ventilação alveolar adequada. Para tanto, estudos demonstram que a ventilação não-invasiva (VNI) tem alta eficiência na prevenção da intubação e na redução do risco de mortalidade de DPOCs e infecções nosocomial. Além disso, pacientes com Edema Agudo de Pulmão (EAP) Cardiogênico também se beneficiam com o uso da VNI. O CPAP (modo de pressão contínua nas vias aéreas) é a modalidade de escolha com excelente resposta para os pacientes admitidos em unidades de terapia intensiva (UTIs) por EAP Cardiogênico, enquanto a terapia medicamentosa com diuréticos surte efeito.

Em se tratando de pacientes acometidos pela Covid-19, estima-se que entre 10 a 15% precisem de internação na UTI devido ao quadro de insuficiência respiratória aguda hipoxêmica e refratária à oxigenoterapia convencional e à VNI. Nestes casos, o Catéter Nasal de Alto Fluxo parece ser eficaz na melhora do desconforto respiratório e redução da taxa de intubação nestes pacientes. Recomenda-se utilizar o Rox Index, uma razão entre a saturação periférica de oxigênio (SpO2), fração inspirada de oxigênio (FiO2) e frequência respiratória (FR) – Rox Index = (SpO2/FiO2)/FR – valores maiores que > 4,88 indicam sucesso da terapia, enquanto que valores < 3,85 apontam para iminência de intubação. De toda forma, caso opte por realizar VNI em pacientes com Covid-19, é interessante utilizar o modo CPAP (Pressão contínua nas vias aéreas) e avaliar a resposta à terapia com o escore Hacor, o qual leva em consideração a frequência cardíaca, o pH, a escala de coma de Glasgow, a relação PaO2/FiO2 e a frequência respiratória. Valores maiores que 5 pontos, após a primeira hora de VNI, indica falha terapêutica.

  1. Otimizar a troca gasosa: A maioria dos pacientes em VM oxigenam e ventilam facilmente com razoáveis FiO2 e níveis de PEEP baixos a moderados. Porém, uma importante parcela dos pacientes ventilados mecanicamente, apresenta hipoxemia persistente, com RX demonstrando infiltrado bilateral difuso, indicando-nos diagnóstico clínico de Sídrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA). Na tomografia de tórax, há regiões densamente consolidadas e de atelectasias, com áreas de volumes menores, conhecidas como “baby lung”. Eis o grande impasse: como otimizar a troca gasosa em pacientes com pulmões tão heterogêneos? A evidência nos orienta a: utilizar manobras de recrutamento, com o devido cuidado à manutenção da estabilidade hemodinâmica do paciente; e realizar prona por 16h a 20h/dia nos pacientes que foram refratários ao recrutamento alveolar, com índice de oxigenação (IO = PaO2/FiO2) < 150, pois a posição prona reverte a direção da força gravitacional da lesão pulmonar, facilita o recrutamento dorso-basal dos pulmões e melhora o clearance pulmonar.
  2.  Prevenir a lesão pulmonar e a disfunção diafragmática induzida pela VM: A heterogeneidade do parênquima pulmonar (alvéolos pouco distendidos, que são constantemente reabertos), ampliam localmente as tensões mecânicas e promovem lesão pulmonar. Neste contexto, muitas evidências apontam também que a inatividade do diafragma durante a VM produz rápida atrofia muscular (aproximadamente 40% dos indivíduos) e disfunção contrátil. Dessa forma, podemos concluir que uma VM segura e efetiva depende da boa interação entre os músculos respiratórios (paciente) e a assistência ventilatória ofertada pelo equipamento, mas gerenciada pelo profissional intensivista.
  3. Desmame do suporte ventilatório invasivo: A literatura evidencia que 20 a 40% dos pacientes em VM apresentam dificuldade de respirar fora do ventilador. Tal desfecho está associado ao tempo prolongado de ventilação mecânica e restrição no leito. Dessa forma, o sucesso no desmame do suporte ventilatório invasivo pressupõe: realização diárias de testes de respiração espontânea, redução dos níveis de sedativos, prática efetiva e sistemática da mobilização precoce, otimização da diurese para evitar o edema pulmonar induzido pelo desmame e não protelar a reintubação diante da insuficiência respiratória pós-extubação.
  4. Por fim, podemos destacar que o bom êxito, frente aos desafios clínicos da ventilação mecânica, está diretamente ligado ao engajamento e compromisso de cada intensivista multiprofissional na constante e correta avaliação das respostas aos suportes não invasivos, para o pronto estabelecimento da VM invasiva, além da eficaz monitorização da mecânica ventilatória e da busca de incoordenações entre o paciente e o ventilador mecânico (assincronias), para evitar piora das injúrias pulmonar e diafragmática.

 REFERÊNCIAS

  1.  CARVALHO, C. R. C.; FERREIRA, J. C.; COSTA, E. L. V. Ventilação Mecânica – Princípios e Aplicação. Rio de Janeiro: Atheneu, 2015.
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  3. GOLIGHER, Ewan C.; FERGUSON, Niall D.; BROCHARD, Laurent J. Clinical challenges in mechanical ventilation. The Lancet, v. 387, n. 10030, p. 1856-1866, 2016.
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  5. ROCA, Oriol et al. An index combining respiratory rate and oxygenation to predict outcome of nasal high-flow therapy (ROX INDEX). American journal of respiratory and critical care medicine, v. 199, n. 11, p. 1368-1376, 2019. Disponível em: <https://www.atsjournals.org/doi/pdf/10.1164/rccm.201803-0589OC>. Acesso em 26 mar. 2021.
  6. Duan J, Han X, Bai L, Zhou L, Huang S. Assessment of heart rate, acidosis, consciousness, oxygenation, and breathing frequency to predict noninvasive ventilation failure in hypoxemic patients. Intensive Care Med 2017;43(2):192-199. Disponível em: <http://pdf-s3.xuebalib.com:1262/xuebalib.com.43037.pdf>. Acesso em 26 mar. 2021.
  7. PIRAINO, Thomas. Noninvasive Respiratory Support in Acute Hypoxemic Respiratory Failure (HACOR)Respiratory care, v. 64, n. 6, p. 638-646, 2019. Disponível em: <http://rc.rcjournal.com/content/respcare/64/6/638.full.pdf>. Acesso em 26 mar. 2021.

 

Prof. Ms. Rogleson Albuquerque Brito

Docente do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Ateneu

Mestre em Ciências Médicas e fisioterapeuta

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