Em nosso país, temos uma triste e desoladora história sobre o cuidado em saúde mental, que conta com encarceramento e isolamento social, muitas vezes, agravado com violência e desumanização. O passado de nossos hospitais psiquiátricos é assustador e precisa ser conhecido por todos para que não se repita. Essa temática é investigada e recontada pela jornalista Daniela Arbex em seu prestigiado livro “Holocausto Brasileiro”. Daniela detalha histórias absolutamente humanas, não no intuito de criar um apelo, mas de humanizar aquelas vidas tão desumanizadas, como uma forma de tratar como gente quem foi tratado por décadas como “bicho”.
O livro fala sobre o manicômio Colônia, em Barbacena, Minas Gerais, fundado em 1903. O local foi palco de um cenário atroz, comparado por Franco Basaglia, o grande reformista italiano, como o “holocausto brasileiro”. As fotografias tiradas no local em 1961 pelo fotógrafo Luiz Alfredo, e que integram o livro, ilustram o terror descrito nas palavras de Arbex. Pessoas foram privadas do controle das próprias vidas por anos: foram aproximadamente 60 mil mortes entre 1903 e 1980. E esses corpos não tiveram sossego nem após a própria morte: corpos eram comercializados com as universidades vizinhas, para faculdades como a de Medicina. As pessoas morriam de frio, fome, em sessões de eletroterapia… era um descaso absurdo, um verdadeiro terror.
A comparação com o holocausto é válida, pois os pacientes não estavam ali para serem tratados, eles estavam ali para morrerem longe dos olhos da sociedade que tratava como loucos aqueles que agissem em não conformidade com os padrões sociais, sendo encarcerados não apenas os doentes mentais, mas mesmo mulheres que traiam os maridos, jovens tímidos, meninas desvirginadas pelo patrão e por aí vai.
Daniela faz coro a um movimento de reforma psiquiátrica que pensa a humanização dos pacientes, contando suas histórias, resgatando sua condição humana. O livro é extremamente necessário e, além de tudo, o texto de Daniela é simples e próximo, permitindo que facilmente embarquemos na leitura, por vezes chorosos, por vezes contentes de saber sobre o destino de algumas pessoas que sobreviveram ao terror.
A saúde mental no país precisa ser pensada no sentido de empoderamento dos pacientes, para que eles possam tratar sua saúde junto aos seus familiares e amigos, na sua comunidade, trabalhando, se divertindo e socializando, não encarcerados e privados de vida social, como propunham os antigos manicômios. A liberdade é a premissa básica do cuidado em saúde. Liberdade de ir e vir, de se apropriar do próprio cuidado, de ser cidadão. Entender tudo isso é uma forma de não repetir o passado e valorizar um sistema de saúde que se proponha integral, equitativo e universal, como é a proposta do nosso SUS.
Prof. Me. Allan Ratts de Sousa
Docente do Curso de Psicologia do Centro Universitário Ateneu
Mestre e graduado em Psicologia
Saiba mais sobre o Curso de Psicologia da UniAteneu.