Muito tem se falado da nova venda da Sociedade Anônima de Futebol (SAF) do Cruzeiro, um dos gigantes do futebol nacional, agora pela Tara Sports (empresa da qual Ronaldo Nazário é sócio). Porém, a única certeza que se tem é que o negócio se realizou. Como? O próprio Pedro Lourenço (comprador) disse ser objeto de sigilo previsto em cláusula contratual.
Então, tudo o que se tem falado na mídia esportiva, nos diários de negócios ou nos folhetins de fofoca é especulação – e de especulação a área administrativa-financeira entende (ou deveria). Quando operações financeiras não são claras, é natural especular (resultados financeiros chamam atenção, e nosso mundo é medido por isso). Porém, é preciso conhecer como ocorrem esses movimentos de aquisições e saber como se calculam esses negócios para especular com propriedade e não com sensacionalismo.
Agora, você consegue adivinhar como nossos jornalistas divulgaram a notícia? Claro! Acertou quem respondeu com sensacionalismo – o exagero da realidade para chamar atenção. Se estão certos, pouco importa. Informar bem os leitores, tampouco. O que importa é gerar cliques (a classe precisa se questionar se ainda pratica jornalismo ou marketing).
Uns falaram em 600 milhões de reais de lucro para Ronaldo, um caso que falou em 550 milhões, houve ainda quem calculasse 350 milhões (será que isso não se encaixaria como fake news? Deus os salve do Xandão). Mas e aí, qual valor especulado seria o mais adequado para as informações que se têm do negócio até hoje (02/05)? O que mais assusta é ver veículos consagrados na área econômica publicando números como esses.
Em operações como essas (aquisições de empresas), os valores são calculados por um processo conhecido como valuation (avaliação de empresas), matéria da administração financeira. Existem algumas formas de avaliar o “valor” de um negócio, mas independentemente do modelo, deve-se descontar do valor calculado a dívida existente. Ou seja, o valor do “bem” é o “preço” calculado descontado das dívidas em aberto.
Para o caso, o que se sabe é que a empresa de Ronaldo (Tara) adquiriu a SAF do Cruzeiro por 400 milhões de reais, pagos 50 milhões de entrada em 2022 e restando 350 milhões de reais a serem pagos durante os próximos cinco anos (2023-2027). Esses valores poderiam ser pagos com capital próprio injetado pela Tara Sports ou por resultados gerados acima da média de faturamento anual do clube na época da aquisição (220 milhões de reais anuais em média calculada entre 2017-2021). Conforme o que se sabe pelas demonstrações e informações contábeis do clube publicadas desde 2022 (ano da aquisição), “Ronaldo Fenômeno” não pagou mais nenhum real da dívida, logo, ainda devia 350 milhões (mas, ainda adimplente até 2027).
Já nessa segunda operação, Pedro Lourenço (através da empresa BPW Sports) pagará 250 milhões de reais “à vista” (sendo 100 milhões descontados de um empréstimo feito à SAF em 2023 e 150 milhões investidos em contratações em 2024) e 350 milhões a serem pagos em 10 anos (totalizando 600 milhões de reais). Reconhecem a quantia de 350 milhões de antes? A única coisa que mudou é que ao invés de cinco anos (dos quais só restavam três), agora o valor foi reparcelado, sem juros, para 10 novos anos. Se com o credor original, Associação Esportiva, ou com a Tara, não se sabe (e acreditem, essa informação faz diferença em um cálculo mais profundo).
Ou seja, de forma simples, o fato é que Ronaldo pagou pelo direito de operar o futebol do Cruzeiro um total de 50 milhões de reais e irá receber 250 milhões líquidos para repassá-lo. Ou, de forma mais completa, possuía um direito avaliado em 600 milhões, com uma dívida direta de 350 milhões, tendo investido 50 milhões no negócio (totalizando 400 milhões). De qualquer forma, Ronaldo Nazário (Fenômeno) fez um excelente negócio, lucrando 200 milhões de reais em dois anos. Não foram 350, nem 550, muito menos 600 milhões. Mas é ou não é um negócio fenomenal?!
Cláudio Costa Filho
Contador de formação e apaixonado por gestão!
Coordenador de Custos e Orçamentos do Centro Universitário Ateneu