O Serviço Social e seu cotidiano no atendimento a adolescentes em conflito com a lei nos centros socioeducativos

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IMAGENS DA UNIDADE SOCIOEDUCATIVA NO CANINDEZINHO ONDE ESTAO DISPONIVEIS AOS ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI, OFICINAS, ATIVIDADES ESPORTIVAS E REFORCO ESCOLAR.

Podemos considerar que, antes de pensar em refletir acerca do cotidiano do profissional de Serviço Social junto ao trabalho desenvolvido com adolescentes em atendimento socioeducativo de privação de liberdade, é crucial discorrer suscintamente acerca das legislações direcionadas a esse público em especifico. Durante o período colonial, o tratamento oferecido a crianças indígenas, negras e pobres assumia um viés caritativo. O sistema de “roda dos expostos” e o trabalho infantil era direcionado à infância e à adolescência desvalida daquela época.

Com a Proclamação da República, 1889, o Estado permanecia omisso à contextualização concernente à infância abandonada. Surge, então, a figura dos higienistas representados por médicos ou filantrópicos que começaram a se preocupar com esse público.  No início do século XX, delineou-se o cenário para o primeiro código, que tratou, especificamente, da questão da infância e da adolescência que vivenciavam situação de pobreza.

Em 1902, o Congresso Nacional analisou a implantação de uma política de assistência e proteção às crianças “abandonadas e delinquentes”. O termo “menor”, frequentemente utilizado nos vocábulos jurídicos, significava aquele que não detinha de idade suficiente para assumir as responsabilidades sobre as suas ações. No ano de 1927, foi desenvolvido entre as instituições de assistência e os setores administrativo, legislativo, judiciário do governo o Código de Menores, conhecido como Código de “Mello Matos”. Essa lei definiu formas de punição semelhante à determinada para indivíduos adultos, em caso de delitos cometidos por adolescentes entre 16 e 18 anos de idade, a ser cumprida em ambiente diferenciado dos sujeitos maiores de idade.

No Governo de Getúlio Vargas (1930-1945), mais precisamente em 1941, foi criado o Serviço de Assistência aos Menores (SAM), cuja função era manter o controle de internatos, delegacias e abrigos de jovens abandonados ou considerados suspeitos de crimes e de vícios. A política adotada pelo SAM era influenciada pelos higienistas, que defendiam “a moralização do meio das instituições e das famílias”. Em 1943, o Código de Menores de 1927 sofreu modificações, tendo como mais importante no que diz respeito ao abandono da categoria delinquente para utilização da noção de infrator.

O contexto apresentado favoreceu a continuidade das ações nos moldes originais do SAM, durante o período democrático (1946-1964). Durante esse momento histórico, o Brasil vivenciou uma intensa mobilização popular, em diversos segmentos socais, acentuando a oposição da mídia, da sociedade e da Igreja Católica ao SAM. Após o golpe militar, esse órgão foi extinto e em 1º de dezembro de 1964, através da Lei nº 4.513, foi instituída no Brasil a Política Nacional do Bem Estar do Menor (PNBEM) e criada a Fundação Nacional do Bem Estar do Menor (Funabem). Esses órgãos apresentavam um novo enfoque ao tratamento oferecido ao “menor”, adotando uma prática assistencialista onde passou a ser considerado uma criança carente e abandonada, vítima da miséria e da desestrutura familiar.

Com o advento da Constituição de 1988 (art. 277), crianças e adolescentes passam a ter assegurados os direitos fundamentais à vida, à saúde, à alimentação e à educação, que foram normatizados pela elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) através da Lei n° 8.069 de 13 de julho de 1990, onde em 12 de outubro do mesmo ano entrou em vigor. O ECA possui como objetivo fundamental e primordial a segurança de crianças e adolescentes e a execução de seus direitos, acrescidos também dos direitos ao esporte, ao lazer, à cultura, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, dentre outros.

Com o Estatuto, a rotulação de “menor” é substituída por crianças e adolescentes. Uma característica fundamental da implantação do ECA é a necessidade e obrigação da sociedade civil em participar dos problemas referentes às crianças e aos adolescentes, criando uma parceria mútua de responsabilidade com o Estado. Através do Estatuto, a garantia de proteção à criança e ao adolescente também se destina a atender jovens que cometem atos infracionais, sujeitos ao cumprimento de medidas socioeducativas.

O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece medidas socioeducativas que possibilita ao adolescente ser notificado acerca de sua conduta e, aliado a um trabalho socioeducacional direcionado, pode juntamente com ele estabelecer saídas para a sua ruptura com o ato infracional. Dentre estas, destaca-se: A advertência (art. 115), a obrigação de reparar o dano (art. 116), a prestação de serviços à comunidade (art. 117) e a liberdade assistida (art. 118). Conforme o ECA, a medida de privação de liberdade (art. 121) deve ser aplicada dentro dos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar do adolescente como sujeito em desenvolvimento.

Além do Estatuto da Criança e do Adolescente, da Constituição Federal e dos tratados internacionais dos quais o Brasil faz parte, o Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) publicou a resolução de nº 119 em julho de 2006, instituindo o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), e em 18 de janeiro de 2012 foi sancionada Lei nº 12.594. O Sinase, portanto, representa um conjunto de princípios, regras e critérios estabelecidos no que se refere à execução das medidas socioeducativas em todas as esferas governamentais, absorvendo todas as legislações pertinentes a esses sujeitos, bem como planos, programas e políticas públicas. O objetivo do Sinase é definir como as medidas socioeducativas serão aplicadas em nosso país, de forma que não perca o seu caráter educativo e garanta que os direitos da criança e do adolescente sejam respeitados.

Dentre os estudos das legislações referentes aos atendimentos a crianças e adolescentes, especificadamente, aos adolescentes em conflito com a lei, nos propomos a explanar suscintamente acerca da atuação do Serviço Social no cotidiano de um centro socioeducativo de privação de liberdade. A atuação do assistente social é referendada partindo dos princípios teórico-metodológicos, ético-políticos e técnico-operacionais que norteiam o profissional, aliada à sua compreensão dentro de um contexto histórico da produção e reprodução da relação capital-trabalho. A atuação desenvolvida está inserida em uma contextualização de uma ação multidisciplinar com as demais profissões que integram a equipe técnica de um centro. Outra base de atuação é o trabalho direto com os agentes socioeducativos, profissionais responsáveis em acompanhar juntamente com a equipe técnica o desenvolvimento e o cotidiano dos adolescentes internos.

Em seu cotidiano, o assistente social realiza atendimentos sociais aos adolescentes e seus familiares. Esses atendimentos podem ser estabelecidos como iniciais e sistemáticos: Elaboram, juntamente com a equipe técnica, relatórios semestrais ou circunstanciais acerca da contextualização sociofamiliar do adolescente e seu desenvolvimento no cumprimento da medida; fazem o acompanhamento nas audiências no Sistema Judiciário e a sua situação processual; realiza visitas domiciliares na comunidade dos adolescentes; visitas institucionais no sentido de articular a rede de atendimento como garantia da integralidade do sistema de garantia de direitos aos adolescentes; fazem encaminhamento para emissão de documentações civis do adolescentes, quando estes necessitam; realizações de atividades socioeducacionais  com os adolescentes internos e seus familiares; contatos telefônicos com toda a rede que integra o sistema de garantia de direitos aos adolescentes e seus familiares, como: conselhos tutelares, conselhos de direitos, Ministérios Público, Defensoria Pública, delegacias especializadas, dentre outros; fazem a articulação no desenvolvimento de um trabalho integrado entre os órgãos governamentais e não governamentais no sentido de efetivar uma atuação integrativa; e fazem o desenvolvimento, juntamente com os demais profissionais que integram as equipes dos centros socioeducativos, de um trabalho socioeducacional, garantindo os preceitos estabelecidos no ECA e Sinase.

Portanto, a atuação do Serviço Social em um centro socioeducativo de privação de liberdade remete a uma proposta articulada e integrativa, no sentido da garantia dos direitos do público atendido, como também, a necessidade de se desenvolver uma atuação com vinculação direta e constante da unidade teoria e prática, aliada aos pressupostos que norteiam sua formação profissional, o código de ética, a lei que regulamente a profissão e todos os aparatos jurídicos vinculados à funcionalidade das políticas públicas e sociais que estabelecidas no direcionamento desses usuários, seus familiares e comunidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
_______. Lei N 8069 de 13 de outubro de 1990. Brasília; CONANDA, 2004.
_______. Secretaria Espacial dos Direitos Humanos. Documentos referencial para o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo–Sinase. Brasília, Dez. 2005.

Profª. Jeniusa Rodrigues de Alencar e Silva
Docente do Curso de Serviço Social do Centro Universitário Ateneu
Especialista em Gestão Social, em Serviço Social, Trabalho e Ética Profissional e em Educação Especial: numa perspectiva inclusiva e graduada em Serviço Social

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