A infância e as crianças têm ocupado meus estudos, pesquisas e atuação como psicóloga desde sempre. Durante o mestrado e doutorado, dediquei-me a pesquisar o tema da participação infantil, desde quando tenho escutado muitas vezes a pergunta-título deste texto: E criança participa?
Quando falo da participação infantil, refiro-me às possibilidades das crianças, como crianças, no presente, fazerem parte, se sentirem parte e também contribuírem na construção do que temos em comum na sociedade, em comunidades, nos coletivos. Compartilho, nesse sentido, de uma compreensão da infância como uma construção social, histórica e política, considerando que há maneiras diversas e contextualizadas de ser criança e de viver a infância.
O que observamos, entretanto, é que, desde uma lógica de desenvolvimento humano linear, centrada em um modelo de sujeito adulto – que constituiria o ápice no curso da vida – as crianças têm ocupado, predominantemente, um lugar de alguém que “ainda não é”, que precisa “se preparar” visando um futuro, quando então poderá participar. A infância passa a ser algo a ser superado e as crianças vistas como naturalmente imaturas e vulneráveis. Essa lógica desconsidera, por exemplo, que as categorias etárias (infância, juventude, vida adulta e velhice) se constituem na relação umas com as outras, como importante forma de organizar a sociedade, e não como algo natural e imutável.
Sustentando-se nessas ideias, em vez de contribuir na construção do que nos é comum, as crianças acabam sendo marginalizadas dos processos sociais, sendo excluídas das possibilidades de participação. No contexto brasileiro, marcado por desigualdades sociais e graves violações de direitos, as crianças têm sido as principais atingidas por condições de vida precárias e pela falta de oportunidades, condições agravadas conforme marcadores de classe, raça, gênero, local de moradia etc.
A Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990), assim como os estudos interdisciplinares da infância têm contribuído para questionar esses lugares sociais e políticos em que as crianças têm sido colocadas, apontando para novas ideias sobre as crianças e a infância, incluindo a compreensão de que são sujeitos com voz e vez, que participam. No entanto, o status de participantes não é algo dado às crianças, mas conquistado em embates sociais e políticos, marcados por tensões entre essas novas ideias e imagens negativas que permanecem existindo.
É a partir destas considerações que se torna relevante abordarmos o tema da participação de crianças, importando conhecer os modos como a infância tem sido compreendida e como isso vai repercutir nas experiências das crianças e nas nossas relações com elas. Podemos compreender que, como uma construção histórica e social, a infância não é naturalmente um momento da vida apenas de preparação para um futuro, mas de importância no presente. E as crianças, sujeitos que, em suas diferenças e singularidades, podem também contribuir na construção do comum, participando da vida coletiva. Nesse sentido, concluo com uma outra pergunta, que deixo para nossa reflexão: que valor temos endereçado às crianças, a todas elas?
Profª. Drª. Lis Albuquerque Melo
Docente do Curso de Psicologia da UniAteneu
Doutora, mestre e graduada em Psicologia e é psicoterapeuta com formação em Abordagem Centrada na Pessoa (ACP)
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