A violência contra a mulher é entendida como um grave e complexo problema que perpassa variados campos da sociedade, mas a problematização só ganha tais contornos e relevância a partir da década de 1980. A construção de conferências, convenções e acordos nacionais e internacionais culminou em importantes marcos legais nessa luta e trouxeram os fundamentos para o desenvolvimento das legislações e políticas públicas para a mulher. No Brasil, esse caminho se inicia com a redemocratização e a Constituição Federal de 1988, em que se institucionalizam os direitos humanos no país.
Sabe-se que, ao assegurar esses direitos não se garante pela legislação sozinha a capacidade de mudar e superar o cenário de desigualdade de gênero e discriminação historicamente fundados e perpetuados, mas ela constitui, sem dúvida, o caminho para contribuir nesse enfrentamento. Pode-se destacar aqui, dentre várias, a Convenção de Belém do Pará ou Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1994), considerada um marco histórico internacional, e que foi uma base para a criação da Lei nº 11.340 de 2006, ou como é mais conhecida, Lei Maria da Penha.
Sabe-se que a lei busca assegurar para todas as mulheres a possibilidade de viverem sem violência. No entanto, dependendo justamente de variáveis como classe, raça, orientação sexual, nível educacional, entre outros, as mulheres têm possibilidades muito distintas de gozar dessa oportunidade de viver sem violência. Os alarmantes índices de feminicídio e violência doméstica entre mulheres negras se torna mais relevante quando abordada como uma questão que traz todos esses aspectos juntos e interligados. Desta forma, muitos pesquisadores tem buscado articular o cruzamento de gênero, raça e classe para melhor compreensão do impacto dessas experiências.
A própria dificuldade ou falta de acesso de mulheres negras e pobres aos atendimentos dos serviços de segurança e saúde quando em situação de violência doméstica demonstram o fracasso das instituições e organizações em prover um serviço adequado a todos os sujeitos. Pois, a discriminação se manifesta seja em normas, práticas ou comportamentos adotados, sempre colocando as mesmas pessoas em situação de desvantagem no acesso aos seus direitos perante o Estado e demais instituições e organizações.
Diante da complexidade desse problema, é fundamental que as ações de enfrentamento estejam à altura e se deem de forma interligada entre os campos jurídico, da saúde, da segurança pública, da assistência social, da educação, entre outros. No entanto, sabe-se que tal violência tem seu caráter estrutural e que a “ação” por si só não pode ser pensada de forma abstrata, isto é, a mulher que sofre violência não pode ser pensada como “qualquer mulher”.
A universalidade pode comportar a singularidade destas mulheres, desde que categorias como classe social, raça/etnia e orientação sexual sejam colocadas nessa problematização. Só assim, é possível construir avanços verdadeiramente fiéis à complexidade da situação. Esse estado de vulnerabilidade em que se encontram as mulheres só pode ser transformado a partir de uma ampla reestruturação que devolva a esses sujeitos um lugar de cidadania, que muitas nunca tiveram.
Profª. Amanda Karoline de Oliveira Ribeiro
Docente do Curso de Psicologia do Centro Universitário Ateneu
Mestranda em Cuidados Clínicos em Saúde, especialista em Psicologia Hospitalar e em Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade e graduada em Psicologia
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