Freire (2007) apresenta uma compreensão sobre o ser humano como uma multiplicidade de contextos que o constituem, sendo este um ser histórico, social, inconcluso, capaz de ter a si mesmo como objeto de consciência e aprendizado cotidiano. Na condição de estar sendo, o ser humano compara, valoriza, intervém, ensina, escolhe, decide, fazendo-se ser ético em suas realidades vivenciais e subjetivas.
Essas perspectivas, de acordo com Vargas e Gomes (2013, p. 451), possibilitam ainda uma compreensão sobre os jovens e adultos também entendidos como sujeitos históricos, sociais e culturais, dotados de conhecimentos e experiências pessoais acumulados ao longo de suas vidas, e que necessitam da intervenção de instituições educacionais e culturais capazes de desencadear o desenvolvimento de suas potencialidades. São, portanto, não objetos depositários de conhecimentos, mas sujeitos capazes de construir conhecimento e aprendizado por meio da própria história.
Nesse contexto, Rogers (1973) refere sobre os recursos de aprendizagem, apresentando que:
Quando um professor se preocupa mais em facilitar a aprendizagem do que em exercer a função de ensinar, organiza o seu tempo e os seus esforços de modo muito diferente do mestre convencional. Em vez de empregar a maior parte tempo em preparar planos de aula e exposições orais, concentra-se na promoção de todas as espécies de recursos, que poderão proporcionar a seus alunos uma aprendizagem experiencial correspondente às necessidades deles. Ocupa-se, também, em fazer com que tais recursos sejam claramente disponíveis, em imaginar e simplificar os estágios práticos e psicológicos por que deve passar o aluno para utilizá-los (p. 82).
Compreender, portanto, os aspectos fundamentais que possibilitam uma aprendizagem significativa, utilizando recursos que perpassam o mundo vivido de cada sujeito e aceitando incondicionalmente a cada um como é, percebendo também seus potenciais de desenvolvimento e crescimento pessoal, vem a ser um desafio e uma questão importante para a reflexão e discussão desta modalidade de ensino, tendo em vista seu aspecto paradoxal. Sendo assim, Rogers (1997, p. 23) refere “que, quanto mais nos dispomos a ser simplesmente nós, mesmo em toda a complexidade da vida e quanto mais procuramos compreender e aceitar a realidade em nós mesmos e nos outros, tanto mais sobrevêm as transformações”.
Os princípios da aprendizagem de Rogers, segundo Zimring (2010), consideram o aluno como uma máquina autônoma, cuja experiência pessoal e estrutura interna determinam sua mudança. Além disso, a aprendizagem é facilitada com maior possibilidade de desenvolvimento, caso os materiais didáticos apresentados ao aluno se aproximem dos seus objetivos pessoais, de suas percepções cotidianas e de seu mundo vivido, bem como com a participação do mesmo em seu próprio processo de crescimento, de maneira ativa, pondo a “mão na massa”, ou, mais especificamente, nos recursos disponíveis para a aprendizagem.
Quanto às responsabilidades do professor ou facilitador, Rogers, ainda de acordo com Zimring (2010), considera importante que seja estabelecida uma relação intersubjetiva, de forma que o estudante compreenda sua importância, seu lugar, seu tempo, ressaltando a consideração das expectativas em relação ao que está sendo proposto no processo de ensino-aprendizagem. Diante disso, destaca-se, de acordo com Rogers (1973), que:
[…] a menos que concedamos uma atenção intensa e positiva ao lado humano e interpessoal de nosso dilema educacional, nossa civilização estará a caminho do desaparecimento. Cursos melhores, currículos melhores, cobertura melhor, ensino melhor, melhores máquinas de ensinar nunca resolverão basicamente esse dilema. Somente pessoas, agindo como pessoas em seus relacionamentos com seus estudantes, poderão começar a causar uma pequena mudança neste problema extremamente urgente da educação moderna (ROGERS, 1973, p. 62).
Destaca-se que a pessoa, ao perceber o ontem, o hoje e o amanhã, percebe a consequência da sua ação sobre o mundo e sobre o outro, nas diferentes épocas históricas, se torna o sujeito da sua história e por isso responsável por ela. Faz hoje o que se tornou possível pelo ontem. Fará amanhã o que está semeando hoje (FREIRE, 2000, p. 67). Afirma-se tal perspectiva, de acordo com Rogers (1997), ao explanar sobre as possibilidades de mudanças e transformações ocorridas por meio da aceitação de si, do outro e das relações estabelecidas entre as particularidades de cada um:
[…] acabei, no entanto, por reconhecer que essas diferenças que separam os indivíduos, o direito que cada pessoa tem de utilizar sua experiência da maneira que lhe é própria e de descobrir o seu próprio significado nela. Tudo isto representa as potencialidades mais preciosas da vida. Toda pessoa é uma ilha, no sentido muito concreto do termo; a pessoa só pode construir uma ponte para comunicar com as outras ilhas se primeiramente se dispôs a ser ela mesma e se lhe é permitido ser ela mesma. Descobri que é quando posso aceitar uma outra pessoa, o que significa especificamente aceitar os sentimentos, as atitudes e as crenças que ela tem como elementos reais e vitais que a constituem, que posso ajudá-la a tornar-se pessoa: e julgo que há nisso um grande valor (ROGERS, 1997, p. 23).
Fonseca (2010) destaca, de maneira significativa, os aspectos gerais da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), criada e idealizada por Carl Rogers, como auxílio à outras áreas das Ciências Sociais, abrangendo também os campos da Educação como um todo e das relações interpessoais e familiares, percebendo ainda sua contribuição em diversas outras possibilidades de atravessamentos relacionais que possibilitam o desenvolvimento das próprias potencialidades do sujeito. Reverbera ainda no campo do trabalho de grupos de encontro, que veio a ser o foco de Rogers mediante a publicação da obra “Uma Maneira de Ser” em 1980, fazendo referência à sua filosofia de vida, que ainda implica em todos os domínios do humano, se tornando eficaz em vários aspectos das relações humanas e dos processos de crescimento pessoal, autoconhecimento e aprendizagem significativa.
Diante disso, compreende-se que as perspectivas de Carl Rogers se voltam a um cuidado direcionado aos processos subjetivos de aprendizagem significativa mediante a realidade de cada um, sem generalizações de processos individuais ou padronização do potencial criativo. Assim, compete ao professor (ou facilitador) organizar amplos recursos didáticos e colocar-se a si mesmo como mais um dos possíveis caminhos de acesso para atender as diversas expectativas dos estudantes. Sendo assim, “o papel do mestre deve ser o de criar uma atmosfera favorável ao processo de ensino, o de tornar os objetivos tão explícitos quanto possível e o de ser sempre um recurso para os alunos” (ZIMRING, 2010, p. 11). Neste contexto, é possível perceber que possibilidades ampliadas vislumbram processos criativos e de aprendizagens diferenciadas.
REFERÊNCIAS
FONSECA. M.J.M. Carl Rogers: uma concepção holística do homem – da terapia centrada no cliente à pedagogia centrada no aluno. Millenium: ordem, Viseu, Portugal, v.1, n.36, p.1-28, 2009.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
________. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Editora UNESP, 2000
ROGERS, Carl. Liberdade para aprender. 2. ed. Tradução Edgar de Godói da Mata Machado e Márcio Paulo de Andrade, Belo Horizonte: Interlivros, 1973.
ROGERS, Carl R. Tornar-se Pessoa. 5 a ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
VARGAS, Patrícia Guimarães; GOMES, Maria de Fátima Cardoso. Aprendizagem e desenvolvimento de jovens e adultos: novas práticas sociais, novos sentidos. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 2, p. 449-463, June 2013. Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022013000200011&lng=en&nrm=iso>. Access on 13 Aug. 2023. Epub May 10, 2013. https://doi.org/10.1590/S1517-97022013005000005.
ZIMRING, F. Carl Rogers. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.
Prof. Francisco Luan de Souza Carvalho
Docente do Curso de Psicologia do Centro Universitário Ateneu
Mestrando em Psicologia, especializando no MBA em Gestão de Pessoas, especialista em Psicologia Existencial, Humanista e Fenomenológica e em Psicologia Social e graduado em Psicologia e Pedagogia.
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