Nunca se falou tanto em empreender, inovar e renovar-se. No mundo atual, onde o que se espera de um profissional de saúde é que ele esteja engajado, tenha milhares de seguidores, seja reconhecido por seus pares, pela sociedade e pelo mundo como um famoso, bem-sucedido e especialista. Como a ética e a ciência podem conversar e ajustar-se a estas novas demandas?
Parece uma tarefa fácil unir gestão, empreendedorismo, sucesso, ética e ciência em um mesmo pacote, mas não é. Aparentemente, a ciência pode ser deixada de lado quando a “mais nova e revolucionária técnica de tratamento” foi descoberta, e, de repente, milhares de profissionais começam a reproduzi-la, porque “os pacientes viram nas redes sociais tal jogador usando” ou, parafraseando a música do Titãs, é a “mais nova sensação do momento, das últimas semanas”.
Decerto que não podemos ignorar o fato de que, especialmente dentro de uma profissão relativamente nova, quando comparada à Medicina e à Enfermagem, novos recursos e técnicas surgirão dentro de uma perspectiva de atualização da profissão. No entanto, é preciso parar e pensar: qual a evidência científica deste recurso? Vários autores falam em ética como sinônimo de valores como dignidade, empatia, sensibilidade, confiança, integralidade da atenção, vínculo, carinho e conhecimento.
Apresentar ou se apropriar de recursos sem a devida evidência científica perpassa por essas práticas antiéticas. Vender a si como um reprodutor de técnicas atuais e novas não deveria ser sinônimo de sucesso e qualidade. O que dizer de propagandas e publicidade de profissionais de saúde que enfocam, exclusivamente, técnicas, tratamentos “revolucionários”, mas que de eficazes não têm nada? Como frear estas práticas? Como regulamentá-las? Mostrar vídeos de pacientes vulneráveis sendo atendidos, sendo usados como “propaganda humana” de seus atendimentos, mesmo com “autorização prévia”, é ético, é (ser) humano?
No capítulo X do código de ética, que versa sobre Divulgação Profissional, o texto diz que “A utilização da Rede Mundial de Computadores (Internet) para fins profissionais deve seguir os preceitos deste Código e demais normatizações pertinentes”. Em 2021, o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito) atualizou o Código de Ética do Fisioterapeuta e Terapeuta Ocupacional, que autoriza “a divulgação de imagens, textos e áudios autênticos de pacientes/clientes/usuários acompanhados, ou não, do fisioterapeuta ou terapeuta ocupacional responsável que realizou o procedimento, desde que com autorização prévia deste ou de seu representante legal, por meio de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”.
Mas, vale a reflexão: você gostaria de ser ou ter seu familiar exposto desta forma em um sítio eletrônico no qual milhares de pessoas estão vendo, em prol de um marketing? Urge a necessidade de uma moderação destas ações, visto que as redes sociais deram voz e espaço para práticas de cunho duvidoso, em se tratando de humanização e ética. Por outro lado, as redes sociais também são utilizadas de forma idônea por muitos especialistas, que promovem a divulgação científica, orientam corretamente a sociedade, e que deixam claro que, de forma alguma, essas práticas substituem o contato com o profissional. Cabe aos indivíduos terem a capacidade de fazer a filtragem das informações e dos profissionais que lá estão.
REFERÊNCIAS
Alves FD, Bigongiari A, Mochizuki L, Hossne WS, Almeida M. O preparo bioético na graduação de Fisioterapia. Fisioter Pesqui 2008;15(2):149-56.
Badaró AFV, Guilhem D. Bioética e pesquisa na fisioterapia: aproximação e vínculos. Fisioter Pesqui 2008;15(4):402-7.
COFFITO. Código de Ética Profissional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Brasília – DF. RESOLUÇÃO COFFITO-10 de 3 de julho de 1978.
Ferraz, Cecília Maria Lima Cardoso, Caram, Carolina da Silva e Brito, Maria José Menezes. A ética da virtude na prática da equipe de saúde da família. Acta Paulista de Enfermagem [online]. 2022, v. 35.
Profª. Drª. Denise Gonçalves Moura Pinheiro
Docente do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Ateneu
Doutora em Cuidado em Saúde, mestra em Medicina Preventiva e graduada em Fisioterapia
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