Ciência e pesquisa: de quem é a culpa?

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Ciência vem do latim scientia, que significa conhecimento. Em um sentido mais estrito, refere-se ao sistema de adquirir conhecimento através de um método científico. Já é de conhecimento geral a importância da ciência para o desenvolvimento da sociedade. Desde os primórdios, ela nos permitiu compreender sobre a natureza, o homem, os organismos. Foi ela que possibilitou/possibilita o aumento da expectativa de vida através da elaboração e produção de fármacos, tecnologias terapêuticas, cura de patologias e desenvolvimento de vacinas.

A ciência está bastante evidenciada na última pandemia da Covid-19, ocasião em que a ciência apresentou em tempo recorde a vacina contra o vírus Sars-CoV-2. No entanto, é um erro achar que o trabalho para a produção da vacina começou no início da pandemia, apesar da mesma ter sido apresentada meses após o início do surto. Só para a obtenção da tecnologia de combate ao vírus, foram pelo menos 20 anos de estudos. A mesma já estava em andamento desde 2003, quando ocorreu o primeiro surto global da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars) envolvendo um coronavírus.

Em 2012, o coronavírus reapareceu e assim como em 2003, foram realizados testes clínicos. No entanto, a pandemia acabou antes da imunização ser necessária. Porém, a tecnologia foi aprimorada. Quando o Sars-CoV-2 surgiu, a tecnologia para enfrentar o coronavírus já era conhecida, e os cientistas só precisaram adaptar a vacina para combater o novo vírus. No entanto, além da produção da vacina, durante todo esse tempo a ciência trabalhou em diversas outras frentes, tais como descobrir os mecanismos de ação do vírus, proteção contra contaminação, aprimoramento de logísticas de distribuição e armazenamento, treinamento dos serviços de saúde para enfretamento da pandemia e todas as outras áreas envolvidas direta e indiretamente no árduo trabalho de trazer o mundo à normalidade possível.

Mas, por que, mesmo com todas essas evidências, a ciência, a pesquisa e o desenvolvimento ainda são tão pouco estimulados? (Leia-se: principalmente, pouco financiadas). Deixe-me apresentar alguns números que vão nos ajudar a pensar, segundo o último Relatório de Ciência da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), quatro a cada cinco países do mundo destinam menos de 1% do seu Produto Interno Bruto (PIB) para os setores científicos. A média brasileira de investimento é ainda menor que a média mundial (1,79%), sendo de apenas 1,26%.

Outro número interessante que esse mesmo relatório mostra é a quantidade de pesquisadores atuantes no país. No Brasil, a cada 1 milhão de pessoas, apenas 888 são pesquisadores. A média mundial é de 1.368, mas podemos dizer que os pesquisadores brasileiros são os mais resilientes, pois mesmo com esse número abaixo da média, mais de 35% dos artigos nacionais possuem coautoria e menção em outros países. Analisando esses dados, seria muito simples e fácil culpar somente o governo e dizer que a culpa é da falta de investimento público. Mas qual seria o nosso papel, enquanto instituição, educadores, formadores e facilitadores, no incentivo e formação da ciência através dos novos cientistas?

A Constituição Federal em seu artigo 207 estabelece que “As universidades (…) obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Essa é a tríade acadêmica que rege a missão e o dever das instituições de ensino superior (IES) no Brasil. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira ainda afirma que o ensino superior tem por finalidade estimular o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo. Está aí, descrito em lei e na constituição o nosso dever como docentes na formação e produção de ciência.

Sem querer entregar a minha idade, mas eu tenho 16 anos de experiência como pesquisador de bancada e quase o mesmo tempo como professor universitário, e posso afirmar que fazer pesquisa não é fácil, exige muita dedicação, doação, tempo, determinação e força de vontade. É quase como que trabalhar por amor, correção, é trabalhar por amor, mas ao mesmo tempo é incrivelmente gratificante. Na minha caminhada como docente, lecionar e orientar sempre caminharam juntos, e sem querer ser piegas, mas poucas coisas são tão emocionantes quanto ver aquele aluno orientado que chegou engatinhando para você começar a voar. Poucas coisas são tão bonitas do que ver eles comemorando resultados positivos ou conseguindo descobrir a solução pra um problema.

É assim que se faz ciência, quando temos uma hipótese a colocamos à prova e partimos para a solução de um problema social/natural. Certamente, meu caro leitor, deu para sentir a emoção que transbordo durante a escrita desse artigo. Não estou aqui para romantizar o ofício nem dizer que tudo são flores, afinal, a vida não é um morango, mas vale, e muito, a pena lutar pela ciência. O desenvolvimento científico acontece em cascata, meio que como um efeito dominó, que começa lá em cima com investimento público e federal, passando por reitores, diretores, coordenadores, professores e alunos.

O trabalho deve ser em equipe, porque os lucros não são individuais, não sou eu quem ganha com isso, é a sociedade inteira. Posso ter divagado um pouco nessas linhas, mas eu quero encerrar dizendo que a ciência é um dever e um benefício de todos e deve ser defendida por todos nós, repito, todos nós.

Prof. Dr. Ed Carlos Morais dos Santos
Docente do Curso de Farmácia do Centro Universitário Ateneu
Doutor e mestre em Bioquímica e Biologia Molecular e graduado em Química Industrial

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