A instituição família na contemporaneidade passa por pertinentes reformulações e incrementos não tão aprazíveis assim no que concerne às suas dinâmicas conceituais e operacionais. Essas reformulações conceituais são exigidas, em parte, por movimentos sociais diversos, tais quais aqueles conduzidos pelas feministas e pela comunidade LGBTQIAPN+. Os incrementos operacionais, por sua vez, são o reflexo das transformações que a própria infância vem vivenciando nesse contexto de pós-modernidade, em que há o advento do uso irracional (na falta de denominação melhor) de telas (celulares, tablets, etc.) e o acentuamento de práticas capitalistas, como as incontáveis horas gastas em ambientes trabalhistas em detrimento das poucas horas passadas com as crianças, os quais distanciam os cuidadores dos seus infantes.
Controversamente, a infância deveria caminhar no destino aposto à lógica neoliberal. No livro “Capitalismo tardio e os fins do sono”, Jonathan Crary ilustra como esse sistema econômico vem lutando para subverter a necessidade do sono e, por extensão dessa problemática, promover um distanciamento vitalício dos cuidados primários. A criança, em contrapartida, apresenta necessidades particulares que precisam ser levadas em questão: o desenvolvimento das habilidades motoras, psicológicas, perceptivas e de tantas outras necessita de estímulos parentais e constante aprimoramento. Entrementes, como promover esse desenvolvimento se a instituição família vem passando por um processo de incrementos operacionais que aniquilam o tempo que se passa com seus filhos? Essa é uma reflexão cuja resposta deixo a cabo do leitor.
Na contramão desses complexos e controversos processos, muitas crianças – certamente não por coincidência, mas, talvez, como ganho desses processos – vêm expressando sofrimentos psíquicos variados, desembocando, em alguns casos, em condições severas intituladas transtornos do neurodesenvolvimento, como os que estão em moda: TEA e TDAH. Pedagogas e profissionais de saúde que deveriam exercer apenas os cuidados secundários da infância parecem assumir, também, a linha de frente dos cuidados primários.
No âmbito educacional, os alunos no regime integral passam mais tempo com as professoras do que com os cuidadores, ficando por conta delas a responsabilidade de proporcionar o desenvolvimento e aprimoramento de habilidades típicas da infância. No âmbito da saúde, os profissionais como psicólogas, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogas também sentem a responsabilidade dos cuidados primários cair sobre si, ao mesmo passo em que sentem dificuldades de chegar até esses cuidadores e sinalizar, em sessões de psicoeducação familiar, a quem cabe cada um dos cuidados primários e secundários.
A psicoeducação familiar surge como uma importante ferramenta para promover educação básica acerca da estimulação de habilidades psicomotoras e perceptivas, a fim de evitar a exposição de crianças a fatores de risco que comprometem seu bom desenvolvimento integral. Cabe sinalizar que o trabalho com crianças – independentemente da área do especialista – necessita funcionar em conjunto com a família, pois não se pode dispensar que os cuidados primários e secundários sejam deslocados a quem verdadeiramente cabe o papel. Assim, convocar os cuidadores para se inserir no tratamento do infante é função primordial dos educadores e profissionais de saúde, os quais não devem fugir do grandioso desafio de promover um cuidado simbiótico com a família.
Prof. Erinaldo Domingos Alves
Docente do Curso de Psicologia do Centro Universitário Ateneu
Mestrando em Saúde Pública, especialista em Psicologia Hospitalar e graduado em Psicologia
Saiba mais sobre o Curso de Psicologia da UniAteneu