A moda acompanha a história da humanidade. Da costura manual às linhas de produção da Revolução Industrial, a forma como produzimos roupas sempre foi atravessada pelos avanços técnicos e sociais de cada época. A tecnologia está transformando radicalmente o setor de confecção. Hoje, softwares de modelagem 3D, impressoras têxteis, mesas de corte a laser e inteligências artificiais são capazes de criar roupas com rapidez e precisão antes impensáveis. Mas diante de tantas inovações, surge uma questão essencial: a tecnologia ameaça ou fortalece o trabalho de quem cria com as mãos?
Essa é uma pergunta que atravessa minha prática como educadora e artista da costura. Para alguns, os avanços tecnológicos parecem anunciar o fim de uma profissão tradicional. No entanto, o que vejo – e ensino – é que a tecnologia pode ser uma ferramenta poderosa para potencializar o fazer manual, e não substituí-lo. Grandes empresas automatizam processos e reduzem desperdícios, enquanto milhares de profissionais da moda – costureiras, modelistas, cortadores, pequenos empreendedores – continuam lutando com equipamentos obsoletos e jornadas exaustivas. Então, me pergunto: quem realmente se beneficia dessas inovações?
A contradição é evidente: a mesma tecnologia que poderia libertar a força de trabalho da exaustão é, muitas vezes, usada para concentrar lucro, precarizar relações e eliminar postos de trabalho. A sustentação da indústria da moda ainda se apoia, em larga medida, sobre a informalidade, os baixos salários e a desvalorização do saber manual. Vemos surgir novos materiais e tecidos inteligentes que monitoram o corpo, regulam a temperatura ou são produzidos a partir de resíduos.
Essas inovações não apenas ampliam a funcionalidade do vestuário, mas deveriam apontar para caminhos mais sustentáveis e éticos na moda. Não é a máquina que desenha com intuição, que pensa no tecido ou no conforto; é o ser humano que conduz esse processo com conhecimento técnico e sensibilidade. Como professora de modelagem e confecção, vejo de perto o poder transformador da formação. Acredito que o futuro do vestuário precisa unir inteligência técnica, criatividade e acesso justo às inovações.
Na sala de aula, esse é o convite que faço: pensar o vestuário como um campo de saberes múltiplos, onde a costura não é apenas execução, mas expressão, autonomia e identidade. A tecnologia deve ser usada para empoderar, e não para excluir. Isso exige compromissos concretos das grandes empresas: formação de base, parcerias técnicas, acesso a softwares, incentivo a coletivos e empreendimentos autônomos.
Inovação não pode ser privilégio: precisa ser uma ponte para uma moda mais justa e plural. A indústria da moda precisa escutar quem costura, quem ensina, quem cria no chão de fábrica, da sala de aula e dos ateliês. Só assim a tecnologia atual fará sentido para todos os corpos e territórios que vestem e são vestidos por ela.
Profª. Vaneska da Silva Rebouças
Docente do Curso de Design de Moda do Centro Universitário Ateneu.
Tem MBA em Administração e Negócios e graduada em Design de Moda.
Saiba mais sobre o Curso de Design de Moda da UniAteneu.