Não é de hoje que a vida sexual na infância e na adolescência chama a atenção dos pais e das instituições sociais, de modo geral. É exemplar o uso de métodos de controle, correção e punição dos comportamentos sexuais na Idade Média, cuja preocupação tinha em seu cerne a interdição dos prazeres carnais em favor do prazer espiritual e divino, de caráter religioso. Nesse sentido, o projeto social da época pedia uma educação onde as pulsões sexuais fossem alvo privilegiado de repressão.
Passados mais de cinco ou seis séculos, a sexualidade continua sendo um tema espinhoso de ser abordado por muitos pais, educadores, psicólogos etc. Isto torna necessário fazer alguns esclarecimentos básicos aqui. O primeiro é que desde os estudos de Sigmund Freud ficou claro que a sexualidade humana não é igual à sexualidade dos animais. Enquanto esta é determinada pelo instinto, submetida às determinações biológicas, que a torna cíclica; aquela é marcada pela presença de um outro, como uma mãe, por exemplo, que responde pelos cuidados maternos, imprescindíveis ao bebê humano, o qual vale lembrar com equipamento inato, insuficiente para viver por conta própria durante alguns anos.
Os anos de dependência desse outro (mãe, pai etc.) é o que a sociedade moderna veio a chamar de infância, e logo depois acrescentou o termo adolescência, percebendo dentre outras coisas que no início da vida sexual, as crianças não apresentam nenhum pudor quanto às suas necessidades corporais ou pulsionais. Freud mostra que as fases da sexualidade na infância seguem um caminho mais determinado pela satisfação do qualquer outra coisa. O que significa que a criança vai estar interessada, principalmente, no objeto através do qual a satisfação almejada possa ser alcançada. Na fase oral, por exemplo, a criança visaria não o seio materno propriamente dito, mas a satisfação obtida com o sugar do leite.
É a experiência de satisfação e o objeto que a companha (o seio materno) que caracteriza e especifica a sexualidade humana. Ou seja, é aí que se dá a primeira forma de enlaçamento amoroso. É o que reúne no mesmo espaço da constituição subjetiva, a dimensão erótica e a fraterna da sexualidade. Para Freud a sexualidade humana não se reduz aos genitais, por isso, a sexualidade expressa pelas crianças ocorre através do corpo todo. Quando ela chora, quando brinca, quando adoece, quando briga, está demonstrando vias possíveis para alcançar satisfação.
Todas as pulsões sexuais estão atuando pulsões: orais, anais, genitais, e ainda as escópicas, invocantes, acrescentadas por Lacan. Se uma criança brinca com outra de bunda com bunda, não há muitos motivos para os pais ficarem assustados. Se o professor testemunha dois alunos se beijando dentro do banheiro, não precisa ser tratado como algo criminoso, pois da mesma forma que o bebê conheceu o mundo, a realidade e o próprio corpo através do corpo do outro, a criança e o adolescente o farão. Encarar a sexualidade para além do ato reprodutivo, sem fins biológicos, é uma dica para se evitar atos de violência, julgamentos morais e preconceituosos contra o comportamento sexual das crianças e adolescentes.
Profª. Drª. Francirene de Sousa Paula
Docente do Curso de Psicologia do Centro Universitário Ateneu
Doutora em Educação, mestra em Educação Brasileira e graduada em Psicologia
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