Há algum tempo, discussões acerca da ideia de letramento na educação básica vinculado a um trabalho docente menos centrado no texto escrito vêm ganhando espaço enquanto prática ideal a ser desenvolvida e estimulada nas aulas de leitura e interpretação. Notoriamente, existe hoje uma aceitação maior entre pesquisadores e professores de assumir a atividade leitora como uma ação distante dos pressupostos tradicionais, norteados pela prevalência da língua escrita sobre outros elementos linguísticos de natureza diversa que constituem o texto – dentre vários, podemos citar ilustrações, hiperlinks, traduções e adaptações.
Dentro desse contexto de revisão de paradigmas metodológicos, estudos sobre o desenvolvimento do letramento artístico-literário no ensino básico, por exemplo, sugerem uma prática de ensino mais engajada no diálogo entre escrita e reescritas, como as presentes nas traduções intersemióticas. Uma vez que o predomínio das imagens e da velocidade de consumo de informações e conteúdos midiáticos é uma realidade inerente ao meio sociocultural contemporâneo, a extrapolação do olhar do leitor para além da dimensão léxica se torna inevitável, precisando, consequentemente, ser reconhecida e trabalhada num cenário pedagógico de letramento multimodal, visando à formação de uma postura leitora consciente e ética para esse novo mundo.
Podemos ilustrar como reflexo de tal condição multimodal, o entrelaçamento cada vez mais natural entre mídias tidas como inconciliáveis, num diálogo contínuo de desenvolvimento e complemento de conteúdos. É o que o estudioso da cultura Henry Jenkins (2009) conceitua como Cultura de Convergência, na qual produções ficcionais das mais diversas naturezas são pensadas e produzidas dentro de um projeto mercadológico e cultural de consonância entre mídias, com a finalidade de apresentarem conteúdos intercambiáveis, ora complementando ora expandindo textos presentes.
Essa convergência se mostra onipresente nas sociedades de consumo atuais, na medida em que elas mantêm a indústria cultual como um dos principais pilares fomentadores de capital simbólico e financeiro decorrente da criação maciça de produtos culturais multimídias de forte apelo popular; por tal razão, torna-se imprescindível capacitar os jovens, um dos principais públicos-alvo dessa gigantesca indústria – essencialmente amoral e inconsequente –, com um olhar consciente, autônomo e crítico para a diversidade de textos que os cercam. Neste ponto é que o trabalho do professor de língua portuguesa deve ganhar características e competências originais paralelas às do novo leitor, como capacidade de explorar, relacionar, descrever ligações entre textos de gêneros diversos, com particularidades formais antes vistas como incompatíveis.
A renomada pesquisadora das novas mídias, Lúcia Santaella (2010), afirma que estamos vivendo na geração do Leitor Ubíquo, caracterizado por uma habilidade inata de contactar e assimilar diversas informações, nos mais diversos formatos e assuntos, concomitantemente. Por exemplo, um jovem, ao mesmo tempo que assiste a um filme, pode estar combinando uma saída no WhatsApp, comentando uma foto no Instagram e curtindo um vídeo no Youtube; tudo ao mesmo tempo de maneira consciente, o que exige uma concentração e uma agilidade intelectual inédita na história. Esse cenário é inevitável e constata uma mudança sociocultural já efetivada – por mais que muitos educadores ainda permaneçam em negação. É necessário, portanto, a pronta aceitação desta realidade por parte dos professores e, mais do que tudo, repensar, atualizar métodos, valores e práticas voltados para a formação de um leitor ubíquo e autônomo.
Prof. Me. Jivago Oliveira da Fonseca
Docente do Curso de Pedagogia do Centro Universitário Ateneu
Mestre e graduado em Letras
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