Em uma conversa informal, me deparei com a seguinte queixa: “Hoje em dia, tudo é racismo”, situação que me deixou reflexiva. Diante de uma histórica política e economia escravista, é impensável supor esse tema como recente, mas sim como enraizado estruturalmente em nossa sociedade. O livro “Casa Grande e Senzala” retratava uma convivência familiar e harmônica entre negros e brancos, corroborados pelo processo de “mestiçagem”. A ideia da democracia étnica de Gilberto Freyre parece perseverar entre os que supõem o racismo como um incômodo, que coloca a sociedade vigilante na observação de termos, palavras e atitudes preconceituosas que foram assimiladas pelo senso comum coletivo sem nenhuma reflexão crítica.
No Brasil a maior parte da população carcerária, o maior percentual de pessoas vítimas de mortes violentas por ação de policiais, a maioria de pessoas com menor escolaridade e a população como menores salários, é negra. A desigualdade racial também pode ser observada nos componentes dos três poderes políticos, o Judiciário, o Legislativo e o Executivo. Esse fenômeno encontrou suporte em diversos segmentos da sociedade e resulta de uma estrutura de poder que se constituiu com base na depreciação de um grupo em relação a outro.
A Igreja decidiu que negro não tinha alma. No Brasil do século XIX, o acesso à educação era proibido aos escravos e em uma das cidades do Rio Grande do Sul a proibição excluía pessoas negras ainda que fossem libertas. No início do século XX, o psiquiatra, antropólogo e criminalista Cesare Lombroso definiu que o crime era decorrência de características atávicas do delinquente, e era então de natureza individual e inata. As características biológicas dos criminosos correspondiam ao perfil étnico de negros. Fato similar ocorre atualmente através do racismo algorítmico, quando a leitura de imagem de rostos de pessoas negras é direcionada para imagens de animais ou simplesmente o leitor de reconhecimento facial não identifica como humano.
A manutenção do racismo e de vantagens que beneficiam um grupo hegemônico depende também da ignorância e da desqualificação da problemática do preconceito e da discriminação racial. A tecnologia se desenvolve em decorrência de um histórico social, assim, quando não se considera esse dado, tem-se a falsa ideia de neutralidade à semelhança da ilusão da sociabilidade interracial apresentada por Freyre como um contraponto do segregacionismo. A ignorância e a negação, bem como a “neutralidade”, perpetuam o racismo. É como alertou Robin di Angelo, não basta não ser racista, é preciso combater o racismo, é preciso ser antirracista.
Profª. Ma. Patrícia Maia Cordeiro Dutra
Docente do Curso de Psicologia do Centro Universitário Ateneu
Mestra em Antropologia e em Engenharia de Produção, especialista em Didática do Ensino Superior e Educação a Distância, em Gerência da Produção e em Saúde Mental e graduada em Psicologia.
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