É inegável que – com o aprimoramento do neoliberalismo, nas últimas três décadas, acompanhado da inovação nos meios de transporte e comunicação – a vida cotidiana se metamorfoseou em seu modus operandi. Desde então, presenciamos um ritmo de vida constante e copiosamente acelerado: o axioma “tempo é dinheiro” se tornou um lema capitalista irreflexivamente dito, repetido e praticado pela grande maioria da população. Em uma sociedade expressamente capitalista, na qual o trabalhador vende a sua força de trabalho e o seu tempo, não lhe resta tempo e força para refletir a respeito das vivências e experiências do seu dia a dia.
O automatismo é uma das características emblemáticas de uma sociedade regida pela aceleração do ritmo da vida, cujo pensamento reflexivo das pessoas é tamponado e alienado. Se eu perguntar a você, caro leitor desse artigo de opinião, o que você fez durante o dia de ontem ou o que fez hoje desde o minuto em que acordou, certamente você não se recordará de todas as tarefas que desempenhou. Logo, o automatismo nos incube de ligar nos 220 volts e, a partir disso, passamos a funcionar num ritmo frenético de 25 horas – ainda que o dia disponha de apenas 24 horas.
Em 08 de setembro de 2022, a famigerada rainha Elizabeth II, que reinava a Inglaterra desde 1953, faleceu aos 96 anos de idade. Com um reinado que durou 70 anos, algo é verídico: uma mulher reinar por tantas décadas é, no mínimo, um feito pessoal histórico, dado o traço machista e patriarcal de nossas sociedades. Outros fatos, no entanto, me pareceram ser surreais e destoarem das características típicas de reações ao luto: a idolatria brasileira de uma figura monárquica que só esteve no Brasil na década de 1960 e que colonizou seus semelhantes, isto é, os povos tradicionais.
O Brasil foi um país colonizado e escravizado por outro país europeu. A África do Sul, como tantos outros, foi um país igualmente colonizado e escravizado pela Inglaterra, no mesmo período em que Elizabeth II reinava. Assim, o que me questiono repetidamente é: o que leva a população de um ex-país colonizado e escravizado a idolatrar uma rainha colonizadora? Assusta-me a idolatria subserviente que a população verde e amarelo demonstra para aquela que outrora colonizou seus semelhantes. Seria a colonização um fenômeno atemporal que deixa marcas e expansão por toda a linha histórica? – me indago.
O que leva o colonizado a se identificar com o colonizador e não com seus colonizados? A resposta a essa pergunta não parece ser de fácil solução, porém, prontamente, o fenômeno da irreflexividade do pensamento responde bem ao questionamento: as pessoas parecem aceitar condições e fatos sem, antes de tudo, refletir e ponderar criticamente acerca deles. Afinal, onde cabe reflexividade ante a aceleração do ritmo da vida? Pensar, agir e sentir – tão preciosos ao conceito de fato social propalado pelo sociólogo Émile Durkheim – se tornaram comportamentos utópicos e grotescamente automatizados em nossa sociedade dolentemente neoliberal e com fortes traços ainda monárquicos a serem diligentemente superados.
Prof. Erinaldo Domingos Alves
Docente do Curso de Psicologia do Centro Universitário Ateneu
Mestrando em Saúde Pública, especialista em Psicologia Hospitalar e graduado em Psicologia
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