Contratos e distratos: conflitos intergrupais na pós-modernidade

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Reza a cartilha do método científico que toda pesquisa brota da observação de um fato da realidade objetiva ou, no caso da Filosofia, da especulação procedida nas reflexões críticas sobre a realidade. Este breve artigo, então, vem a lume por conta de uma observação objetiva: agrupamentos sociais digladiam-se verbal e fisicamente nas mídias sociais e no meio das ruas ou nas praças. Assim agindo, eles deixam a clara impressão de que o tecido social está se esgarçando, desgastando, até que a sociedade, tal como a conhecemos hoje, se desfaça em uma guerra civil de todos contra todos. Estaria desfeito, então, o contrato social, cimento que une a todos os distintos agrupamentos em prol do bem comum e da vontade geral? Vejamos brevemente como foi tecida a sociedade sob o ponto de vista do contratualismo.

Contratualismo: doutrina cujas origens remontam à filosofia grega, mas que adquiriu importância teórica e política somente no pensamento liberal moderno, que considera a sociedade humana e o Estado originados por um acordo ou contrato estabelecido entre cidadãos autônomos, valorizando desta maneira a liberdade individual, em detrimento da autocracia ou dos excessos da ingerência estatal. Todos deveriam abrir mão de seu direito legítimo de uso da força e entregá-lo nas mãos dessa entidade, que deveria agir em proteção da liberdade de todos os indivíduos. Dessa forma, apenas o governo instituído teria a capacidade de agir por intermédio da força de forma legítima. Além disso, apenas o Estado seria capaz de julgar imparcialmente e construir leis que assegurariam que as vontades de um não subjugassem as vontades do outro. Seria, assim, instituída uma única entidade, juiz de todas as causas e constituída por homens que deveriam agir como juízes em nome de toda a comunidade, sempre em favor do bem comum.

Para o contratualismo, homem é uma criatura naturalmente “racional e social”, com inclinação para o bem e um forte senso de amor ao próximo e empatia pela dor alheia. Nós, humanos, seríamos naturalmente livres e iguais, criaturas racionais e regidas pela razão, plenamente capazes de agir em defesa do próximo quando necessário. E quando houver problemas? A solução para os problemas seria a mesma: a constituição de um tratado entre todos os seres humanos a partir da razão e em função de salvaguardar os direitos naturais de todos. Para isso, os indivíduos deveriam renunciar a alguns direitos, como o direito de utilizar da violência em nome de si mesmo, e depositá-los nas mãos do Estado. Nesse sentido, o contrato social seria um acordo entre os membros de uma sociedade, em que todos reconheceriam a autoridade de um governo, depositariam a legitimidade do uso da força e confiariam a proteção de suas liberdades individuais. Dessa forma, apenas o governo instituído teria a capacidade de agir por intermédio da força de forma legítima.

Mas a sociedade sempre foi composta por distintos agrupamentos humanos, com distintos interesses, valores, crenças, leis consuetudinárias, etc. A sociedade é, enfim, um mosaico de agrupamentos. Então, se vamos analisá-la, devemos partir da compreensão da natureza das interações sociais e dos seus processos. Assumimos a corrente interacionista de análise da sociedade, a qual valoriza o aspecto da troca entre os indivíduos e entre estes e o mundo que os rodeia. A partir destes dois tipos de interação (indivíduos entre si e entre estes e o mundo), temos a distinção entre as relações intragrupais e as relações extragrupais, das quais decorre a distinção entre os grupos de pertença e os grupos de referência. Os grupos de pertença são constituídos em função da idade, do sexo, da categoria socioprofissional, da origem étnica, religiosa, etc., os grupos de referência são diversos, desde as associações, os partidos políticos, os grupos desportivos, etc.

Mas hoje cada grupo tenta valer seu ponto de vista, porque o controle do discurso público é o controle da mente do público – é a polícia do pensamento – e, portanto, indiretamente, controle do que o público quer e faz. Sendo assim, não há necessidade de coerção por parte de qualquer agrupamento que seja, porque se pode persuadir, seduzir, doutrinar ou manipular as pessoas. Mas antes de um deles capitular, o conflito está instaurado e a civilidade esperada no convívio em sociedade (em última instância materializada nas leis) permanece ameaçada.

Prof. Dr. João Carlos Rodrigues da Silva
Docente do Curso de Pedagogia do Centro Universitário Ateneu
Doutor e mestre em Linguística, especialista em Gestão Pedagógica da Escola Básica e em Língua Portuguesa e graduado em Letras

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