A classificação de Black ainda é válida?

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A clássica classificação das cavidades proposta por G.V. Black, no final do século XIX, ainda é amplamente ensinada e utilizada na prática odontológica. Dividindo as lesões em classes I a V com base na localização anatômica e nas superfícies dentárias envolvidas, esse sistema foi revolucionário em seu tempo. No entanto, mais de um século depois, surge a inevitável pergunta: ainda faz sentido utilizá-lo diante dos avanços científicos e da nova compreensão sobre a cárie como uma doença biofilme-dependente?

A Odontologia moderna passou por transformações significativas. Hoje, a cárie dentária é entendida como um processo dinâmico, que envolve desmineralização e remineralização, e não apenas como uma cavidade a ser restaurada. O enfoque mudou de uma abordagem mutiladora para uma prática minimamente invasiva e baseada no risco individual do paciente. Neste contexto, surgiram classificações mais atuais, como a International Caries Detection and Assessment System (ICDAS), que avalia a extensão da lesão e a atividade do processo carioso de maneira mais precisa e preventiva.

Além disso, evidências científicas destacam que o uso exclusivo da classificação de Black pode induzir a um raciocínio restaurador mecânico, limitado ao ato operatório, e não à gestão da doença. Estudos demonstram que a maioria das lesões iniciais pode ser controlada com medidas não invasivas, e que a decisão clínica deve ir além do simples formato da cavidade. Ainda que a classificação de Black facilite a comunicação operatória e seja útil em casos de reabilitação protética e ensino básico, ela não contempla aspectos como profundidade, desmineralização subclínica, atividade da lesão e risco do paciente.

Portanto, embora a classificação de Black tenha seu valor histórico e utilidade descritiva, ela é insuficiente como guia clínico exclusivo nos dias atuais. A prática odontológica contemporânea exige uma abordagem integrada, baseada em evidências, que leve em conta o contexto biológico, comportamental e preventivo. Estaríamos, então, dispostos a abandonar o conforto da tradição em nome de uma Odontologia mais moderna, científica e centrada no paciente? Talvez seja hora de parar de apenas classificar cavidades – e começar a tratar doenças.

Prof. Me. Pedro Jessé Lima Veras
Docente do Curso de Odontologia do Centro Universitário Ateneu.
Doutorando em Biotecnologia, mestre em Odontologia, especialista em Odontopediatria e graduado em Odontologia.

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