A atuação do farmacêutico, historicamente associada à manipulação e dispensação de medicamentos, evoluiu significativamente nas últimas décadas, acompanhando a ampliação das demandas do mercado e o avanço das regulamentações sanitárias. Atualmente, esse profissional encontra oportunidades em diversos segmentos, incluindo a indústria e a distribuição de cosméticos, setor que movimenta bilhões de reais anualmente no Brasil e está sujeito a rígidos critérios de qualidade e segurança.
Nesse contexto, a formação química, adquirida de forma consistente ao longo da graduação em Farmácia, torna-se não apenas um requisito técnico, mas um diferencial estratégico para o exercício da profissão. Embora cosméticos sejam tradicionalmente associados ao cuidado estético, a sua formulação envolve uma complexa combinação de substâncias químicas com diferentes funções e mecanismos de ação.
Entre os principais componentes estão princípios ativos (responsáveis pelo efeito desejado), veículos ou excipientes (que modulam a aplicação e a estabilidade), conservantes (que evitam a proliferação microbiana), fragrâncias, corantes e estabilizantes. Cada uma dessas classes de substâncias apresenta propriedades físico químicas específicas, que interagem de maneira dinâmica e, muitas vezes, sensível a variações ambientais como temperatura, umidade, luminosidade e pH.
O farmacêutico que atua em uma distribuidora de cosméticos não desempenha apenas um papel logístico. A sua formação química lhe confere a capacidade de avaliar criticamente a integridade e a conformidade dos produtos em todas as etapas do armazenamento e transporte, antecipando riscos de degradação ou incompatibilidade química. Conhecimentos adquiridos em disciplinas como “Química Orgânica”, “Química Analítica”, “Físico-Química” e “Química de Produtos Naturais” são aplicados diretamente na interpretação de laudos, na análise de matérias-primas e na verificação de alterações sensoriais ou físico-químicas que possam indicar comprometimento da qualidade.
Além disso, o domínio da química instrumental permite que o farmacêutico compreenda e, quando necessário, interprete métodos analíticos usados para o controle de qualidade, como cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC), espectrofotometria e titulações potenciométricas, mesmo que essas análises sejam realizadas por terceiros. Essa competência é essencial para garantir que os produtos comercializados estejam de acordo com as especificações técnicas e regulatórias estabelecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e por normas internacionais aplicáveis.
No âmbito regulatório, a Resolução RDC nº 430/2020, que dispõe sobre as Boas Práticas de Distribuição, Armazenagem e Transporte de Produtos Cosméticos, reforça a necessidade de monitoramento constante das condições de conservação, bem como da rastreabilidade. O farmacêutico, ao compreender profundamente as propriedades químicas dos produtos sob a sua responsabilidade, está mais apto a implementar e supervisionar procedimentos que assegurem a estabilidade e eficácia ao longo de toda a cadeia de suprimentos. Isso inclui o desenvolvimento de protocolos para inspeção visual e físico-química, orientação sobre embalagens adequadas e definição de parâmetros de transporte compatíveis com a natureza dos cosméticos.
Portanto, no cenário competitivo e regulado do mercado de cosméticos, o farmacêutico, já munido de uma ampla base de conhecimentos químicos adquiridos na graduação, exerce uma função que transcende a execução de tarefas operacionais. Ele atua como um recurso técnico científico essencial, capaz de aplicar de forma prática e estratégica conceitos de química para garantir que o produto que sai da bancada de desenvolvimento chegue ao consumidor final com qualidade, segurança e eficácia preservadas. A sua presença contribui para a mitigação de riscos, a otimização de processos e a preservação da imagem e da confiabilidade da empresa perante o mercado e os consumidores.
Em síntese, a Química é a base que sustenta a compreensão da estrutura, função e estabilidade dos cosméticos, e o farmacêutico é o profissional habilitado para traduzir esse conhecimento em práticas efetivas de controle e garantia de qualidade. Em um setor onde competitividade, inovação e segurança caminham lado a lado, a valorização dessa competência não é apenas desejável, mas imprescindível para o sucesso sustentável das distribuidoras e para a entrega de produtos seguros e eficazes ao consumidor final.
Prof. Dr. Ed Carlos Morais dos Santos
Docente do Curso de Farmácia do Centro Universitário Ateneu.
Doutor e mestre em Bioquímica e Biologia Molecular e graduado em Química Industrial.
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