Desafios para a promoção do uso racional de psicofármacos no Brasil: da teoria à prática do cuidado farmacêutico em saúde mental

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A saúde mental é, cada vez mais, uma das maiores demandas de cuidado na atenção primária e especializada no Brasil. A crescente medicalização do sofrimento psíquico, embora denuncie o adoecimento coletivo, também escancara as limitações de um modelo que muitas vezes oferece medicamentos antes de oferecer escuta. Nesse cenário, o farmacêutico clínico, inserido em equipes de saúde mental, tem a responsabilidade não apenas de garantir o acesso aos psicofármacos, mas de promover o uso racional e consciente desses medicamentos, com foco na adesão terapêutica baseada em vínculo, orientação e corresponsabilização.

Falar de adesão ao tratamento em saúde mental é lidar com múltiplas camadas: o estigma social, os efeitos adversos, a baixa compreensão dos esquemas terapêuticos, a falta de vínculo com os profissionais e a insegurança frente ao diagnóstico. O cuidado farmacêutico, quando bem estruturado, pode atuar justamente nesse espaço sensível entre o receituário e o sujeito, entre a prescrição e o cotidiano de quem toma o medicamento. Adesão não pode ser confundida com obediência; ela precisa ser construída com o paciente, respeitando a sua autonomia, os seus saberes e a sua história.

A prática farmacêutica em saúde mental exige muito mais do que conhecimento técnico sobre antidepressivos, antipsicóticos ou estabilizadores de humor. Exige empatia, escuta ativa e uma postura ética de não julgamento. Exige também firmeza para desnaturalizar o uso indiscriminado de psicofármacos e coragem para dialogar com usuários e profissionais sobre riscos, benefícios e limites do tratamento medicamentoso.

Quando o farmacêutico atua com intencionalidade clínica e educativa, ele se torna um elo essencial para que o paciente compreenda o porquê, o como e o quando de seu tratamento. Orientar sobre horários, possíveis interações, efeitos adversos e a importância da continuidade do tratamento são ações simples, mas que fazem diferença na vida de quem sofre com transtornos mentais – e que muitas vezes abandona o tratamento por falta de orientação ou por experiências negativas com o uso do medicamento.

No entanto, é necessário destacar: o farmacêutico não deve – e não pode – induzir o uso de medicamentos. A sua atuação deve estar pautada na ética do cuidado, na promoção da saúde e na valorização das terapias combinadas, como psicoterapia, grupos terapêuticos e atividades de reabilitação psicossocial. O medicamento deve ser um recurso, não um destino; uma ferramenta, não um fim em si mesmo.

Além disso, a adesão não depende apenas do usuário. Ela é reflexo direto da forma como o cuidado é oferecido. Quando o farmacêutico se faz presente em espaços como os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), as unidades básicas de saúde ou até mesmo em farmácias comunitárias, oferecendo orientação acessível, linguagem clara e disponibilidade para o diálogo, ele fortalece a autonomia do paciente e contribui para a efetividade do tratamento – sem recorrer a práticas coercitivas ou persuasivas.

Portanto, o cuidado farmacêutico em saúde mental é uma construção delicada e pujante, que precisa estar enraizada no respeito à singularidade de cada pessoa, no compromisso com o uso racional dos medicamentos e na promoção de uma adesão terapêutica ética, crítica e afetiva. Mais do que garantir a ingestão correta do medicamento, o papel do farmacêutico é cuidar para que o tratamento seja compreendido, aceito e, sobretudo, respeitado como parte de um processo de cuidado mais amplo e digno.

Profª. Drª. Ana Isabelle de Gois Queiroz
Docente do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Ateneu.
Doutora e mestra em Farmacologia, especialista em Farmácia Clínica e Serviços Farmacêuticos e em Farmacologia Clínica, especializanda em Farmácia Clínica e Atenção Farmacêutica: O Cuidado Farmacêutico na Prática e graduada em Farmácia.

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