Como as ideias escravizam os desavisados

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“Ideias nos escravizam sem que saibamos como e porquê”, afirma o filósofo.E é verdade. Constata-se isso nas redes sociais. Milhares de internautas (pessoas) curtem, elogiam e compartilham ideias de outros internautas (também pessoas), talvez sem se darem conta de que na atualidade estão replicando o castigo da ninfa Eco: condenados a repetir o que os outros dizem. Mas como e por quê? Ora, se as pessoas repetem ideias de outra(s), isso se deve ao fenômeno social da propagação ideológica. Brevemente, define-se ideologia, de acordo com Terry Eagleton (1997), como o processo de produção de significados, signos e valores na vida social, que se materializa através de um corpo de ideias característico de um determinado grupo ou partido, a fim de ajudar a legitimar e sustentar um poder (político) dominante. A massificação de uma ideologia acontece por intermédio das seguintes estratégias: legitimação, dissimulação, unificação, fragmentação e reificação(THOMPSON, 2002).

A legitimação consiste na tentativa de apresentar o discurso como legítimo, justo, por isso digno de apoio. Assim, o produtor do discurso constrói uma cadeia de raciocínio para defender e justificar sua ideias ou instituições e, com isso, persuadir a audiência. Também ele, através da narrativização, dissemina histórias contadas ou revisadas (ressignificadas) para sedimentar suas próprias ideias. Servem para tal fim um filme (Ex.: Lamarca), um documentário, uma peça de teatro, livros paradidáticos, a simples mudança do nome de um local público (Ex. Troca-se Rua Gen. Médici por Rua Cuba), etc.

A dissimulação constitui a tentativa de ocultar, negar e obscurecer as verdadeiras ideias ou causas. Para isso, usa-se o deslocamento de termos do vocabulário (Ex. linguagem politicamente correta), eufemismos, metáforas e adjetivações (Ex.: golpista, capitalismo selvagem, imperialista).

A unificação compreende a tentativa de se estabelecer uma unidade de pensamento, interligando indivíduos, numa identidade coletiva. Concretiza-se através da padronização do discurso, da criação de símbolos para o grupo (Ex. bandeiras, cores) e da repetição adnauseam de bordões (Ex. Foi golpe! Fora Fulano!).

A fragmentação é a ação voltada para o inimigo, o adversário – indivíduo ou grupo – de modo a enfraquecê-lo: dividir para conquistar. Materializa-se através da diferenciação, da divisão da sociedade em grupos antagônicos, ressaltando-lhes as diferenças (Ex. negros x brancos; hétero x homo; rico x pobre; público x privado, etc.). E também do expurgo do outro: escolhe-se ou inventa-se um inimigo, que é retratado como mau, perigoso e ameaçador, e deve ser destruído com acusações infundadas, mentiras, fofocas, fakenews, charges satíricas, artigos, reportagens, etc.

Por fim, temos a reificação (coisificação), que corresponde à tentativa de retratar uma situação transitória e histórica como se fosse permanente, natural e atemporal. Materializa-se através da naturalização de um estado de coisas, de uma situação antes inexistente, como normal (Ex. naturalização da poligamia, do poliamor, do incesto); através da eternalização de fenômenos como permanentes, imutáveis, e também através do apagamento ou indeterminação do agente nas estruturas gramaticais (Ex. O partido foi atacado / Eles não prestam).

Com todas essas estratégias operando ao mesmo tempo e em várias instâncias sociais – em igrejas, escolas públicas e particulares, universidades, rádios, jornais, revistas, órgãos governamentais, organizações não-governamentais (ONG) e redes sociais – os intelectuais orgânicos de uma dada ideologia manipulam os desavisados, os quais reeditam o mito grego: repetem-lhe as ideias, como milhões de Ecos, proliferando aquilo que o partido/grupo deseja que seja a sua verdade.

 

Prof. Dr. João Carlos Rodrigues da Silva

Docente do Curso de Pedagogia da UniAteneu

Doutor em Análise Crítica do Discurso, mestre em Linguística e graduado em Letras

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