A saúde mental masculina é um tema frequentemente negligenciado. Infelizmente, há um contexto cultural que desvaloriza o autocuidado e perpetua um imaginário de invulnerabilidade. Embora os homens sejam protagonistas em estatísticas alarmantes de suicídio, diversas violências e certos transtornos mentais, a busca por ajuda profissional no campo da saúde mental por parte dessa população é precária. É imperativo, portanto, discutir os aspectos epidemiológicos que indicam o sofrimento psíquico masculino e refletir sobre a profunda interrelação de fatores socioculturais com o autocuidado dos homens.
Dados epidemiológicos publicados pelo Ministério da Saúde, no Boletim Epidemiológico de fevereiro de 2024, revelam uma realidade preocupante: os homens lideram as estatísticas de suicídio, com taxas quase quatro vezes maiores do que as mulheres. Entre 2016 e 2021, a taxa de mortalidade masculina por suicídio por 100 mil habitantes variou de 9,4 a 11,9 em comparação com 2,3 a 3,3 para as mulheres. Esse crescimento na taxa de suicídios masculinos está diretamente relacionado à falta de autocuidado e ao absenteísmo nos consultórios de psicologia.
Além do suicídio, a ansiedade, o consumo de substâncias aditivas e a depressão são fatores recorrentes que levam ao sofrimento psíquico masculino. A questão não é recente. Um estudo de Albuquerque, Barros e Schraiber (2013) com usuários de serviços de atenção primária em São Paulo demonstrou uma clara relação da violência com o sofrimento mental, especialmente, entre aqueles que faziam uso de substâncias psicoativas como álcool e drogas ilícitas. Notavelmente, 87,9% dos homens que enfrentaram violência física e sexual relataram queixas de nervosismo, ansiedade, irritabilidade alta, insônia e depressão. Esses dados sublinham a urgência de abordar o sofrimento psíquico masculino, que, embora pouco discutido, é uma realidade palpável.
Existe uma interrelação entre cultura e a falta de autocuidado masculino. A baixa procura e o absenteísmo masculino nos serviços psicológicos e na psicoterapia, conforme aponta a pesquisa de Becker et al (2021), são reflexos de uma questão histórica e cultural arraigada no Brasil. Raízes machistas da sociedade brasileira instigam o homem a resolver conflitos pela força e dificultam o contato consigo mesmo, a compreensão e o diálogo com as próprias emoções. Atos violentos são encarados como elementos próprios do processo de socialização e do exercício da masculinidade, influenciando diretamente como os homens cuidam de sua saúde e de seus corpos.
A pesquisa de Gomes, Nascimento e Araújo (2007) corrobora que, apesar das taxas masculinas assumirem um peso significativo nos perfis de morbimortalidade, a presença de homens nos serviços de atenção primária à saúde é bem menor que a das mulheres. Isso se deve, em grande parte, a um imaginário de ser homem ancorado em ideias de força, virilidade e invulnerabilidade. Tais características são vistas como “incompatíveis com a demonstração de sinais de fraqueza, medo, ansiedade e insegurança, representada pela procura aos serviços de saúde”. A frase popular “Homem não chora!” sintetiza perfeitamente essa mentalidade que desmotiva o autocuidado e a busca por tratamento psicoterápico.
A saúde mental dos homens pode ser prejudicada por representações sociais que associam ser um “homem de verdade” a comportamentos agressivos, uso abusivo de álcool, virilidade exacerbada e relações heterossexuais pautadas na quantidade. Esse padrão de masculinidade vigente é, paradoxalmente, prejudicial aos próprios homens, tornando-os vítimas de violência social, sofrimento psíquico e autoviolência letal. Valores da cultura masculina frequentemente ditam um modelo no qual noções de invulnerabilidade e comportamento de risco estão presentes, além da dificuldade de verbalizar necessidades de saúde, talvez por acreditarem que cuidados de saúde estão relacionados ao feminino e apontam fraqueza.
Diante desse cenário, torna-se evidente que a busca por ajuda na saúde mental pelo público masculino é precária e há uma necessidade urgente de atualizar as percepções culturais de gênero. A transformação dessa cultura, cultivando masculinidades mais saudáveis que ajudem o homem a conectar-se consigo mesmo e a entender os seus sentimentos e escolhas, é fundamental. Homens tendem a retardar a procura por serviços de saúde e apresentam baixa adesão a tratamentos, resultando em piores indicadores de saúde.
O autocuidado masculino, portanto, precisa ser compreendido em uma perspectiva mais ampla, interligando saúde mental, relações sociais, carreira e desenvolvimento pessoal. Ele envolve não apenas atividades físicas regulares, alimentação e higiene, mas também tempo de lazer, criação e manutenção de vínculos sociais e, crucialmente, a busca por ajuda profissional. A psicoterapia com profissionais habilitados é um espaço vital para o autoconhecimento, o desenvolvimento de habilidades de enfrentamento de problemas emocionais, a ressignificação de experiências dolorosas e a prevenção de adoecimentos.
Embora homens apresentem menor procura por tratamento psicológico e maior índice de evasão, muitas vezes por sentirem que suas necessidades não são bem recebidas, e possam ter preferência por grupos terapêuticos ou terapeutas do gênero masculino, é importante um trabalho constante para desconstruir uma cultura de masculinidade machista que contribui para o absenteísmo na busca por ajuda.
Em suma, a saúde mental do homem é uma crise silenciosa que exige visibilidade e enfrentamento. É necessário descontruir estereótipos de um homem sempre forte e invulnerável que não mostra fraquezas ou emoções, pois esses padrões impactam negativamente a sua saúde mental, levando a estresse, ansiedade e depressão. A sociedade, em seus diversos contextos – empresas, escolas, comunidades –, precisa criar estratégias e oportunidades para promover a saúde mental masculina, incentivando uma cultura de psicoterapia e autocuidado. Somente assim será possível construir um futuro em que os homens se sintam encorajados a priorizar o seu bem-estar integral e a buscar o apoio necessário para uma vida mais plena, harmoniosa e saudável.
Referências
ALBUQUERQUE, F.P. de; BARROS, C.R. dos S.; SCHRAIBER, L.B. Violência e sofrimento mental em homens na atenção primária à saúde. Rev. Saúde Públ. 47 (03) Jun 2013. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004324
BECKER, M.W. et. al. Absenteísmo da população masculina na assistência à saúde mental: uma revisão narrativa. Saúdecoletiva, 2021; (11) n. 62. Disponível em: https://doi.org/10.36489/saudecoletiva.2021v11i62p5192-5201
GOMES, R.; NASCIMENTO, E. F. do; ARAÚJO, F.C. de. Por que os homens buscam menos os serviços de saúde do que as mulheres? As explicações de homens com baixa escolaridade e homens com ensino superior. Cad. Saúde Pública 23 (3), mar 2007. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2007000300015
Prof. Dr. Janote Pires Marques
Docente do Curso de Pedagogia do Centro Universitário Ateneu.
Doutor em Educação Brasileira, mestre e graduado em História.
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