A relação entre alfabetização e letramento, mesmo com décadas de conceituações, investigações e distinções teoricamente consolidadas, ainda gera confusão entre docentes que, em grande parte, tendem a seguir o senso comum sobre o assunto e categorizam os dois processos como sinônimos ou como simples métodos de aquisição da linguagem pouco distinguíveis entre si. No fim, tal visão limitada acaba por fomentar um cenário de desestímulo de competências leitoras fundamentais nos estudantes e, pior, promove uma espécie de cultura da negligência quanto à responsabilidade do professor, de qualquer área e nível educacional, na formação do sujeito letrado, já que, diferente da característica pontual do processo de alfabetização, o letramento deve ser desenvolvido ao longo de toda a vida acadêmica e social do sujeito, sendo a atuação do profissional da educação, portanto, fundamental neste continuum.
Segundo uma das maiores pesquisadoras acerca do letramento no Brasil, Magda Soares, o que diferencia a alfabetização do letramento é que a primeira se refere ao domínio do sistema alfabético e das habilidades básicas de leitura e escrita, enquanto o segundo envolve o uso social dessas habilidades, em contextos reais de comunicação, compreensão e produção de sentidos. O letramento, portanto, extrapola o simples ato de decodificar palavras, pois implica a capacidade de interpretar, argumentar, posicionar-se e interagir criticamente com os diversos textos e linguagens que circulam na sociedade.
Nesse sentido, é uma prática essencial para que o indivíduo exerça plenamente a sua cidadania, tome decisões conscientes e participe ativamente da vida pública e privada, tornando-se sujeito autônomo e reflexivo. Assim, sem o letramento, a alfabetização tende a ser um processo incompleto, incapaz de garantir ao indivíduo o protagonismo necessário para enfrentar os desafios de uma sociedade cada vez mais complexa e mediada pela informação.
Diante do exposto, é nítida a relevância do letramento no decorrer da formação do indivíduo dentro de suas relações sociais e, o mais importante, como esta competência está atrelada à sua capacidade de interpretação do mundo de forma crítica e autônoma, tornando, assim, o letramento um processo ubíquo, que deve ser desenvolvido ao longo da vida do sujeito, pois não se limita ao espaço escolar nem se encerra com a conclusão de etapas formais de ensino.
Ao contrário, amplia-se e se ressignifica a cada nova interação com diferentes linguagens, discursos e práticas sociais, permitindo que o indivíduo acompanhe as transformações culturais, tecnológicas e políticas de seu tempo. Essa continuidade é essencial para que se construa um sujeito capaz de compreender as complexidades da realidade, estabelecer conexões entre saberes e posicionar-se frente a questões que demandam análise e discernimento. Portanto, investir no letramento é investir na formação integral, na autonomia intelectual e na capacidade de exercer plenamente a cidadania em um mundo dinâmico e interconectado.
Neste momento, portanto, é que o professor, de modo geral, não só aquele responsável pela alfabetização no ensino fundamental, deve se assumir como agente essencial na construção do sujeito letrado. Seja na educação básica, na universidade ou no ensino técnico, em qualquer disciplina, o docente tem a missão de estimular o letramento do seu aluno, na medida em que cria oportunidades para a leitura, a escrita e a interpretação em contextos significativos, conectando o conteúdo trabalhado em sala às práticas sociais e profissionais que o estudante irá vivenciar. Essa postura exige que o professor vá além da mera transmissão de informações, atuando como mediador crítico que orienta, questiona e provoca reflexões. Ao valorizar a diversidade de textos, gêneros e mídias, o docente amplia o repertório cultural do aluno e fortalece a sua capacidade de análise, argumentação e tomada de decisão.
Portanto, o senso comum que entende o letramento como um processo restrito à fase de alfabetização e que exime de responsabilidade os professores de outras áreas e níveis quanto ao letrar deve ser desconstruído em favor de uma visão consciente e pedagógica de que o desenvolvimento dessa competência é um compromisso coletivo e contínuo de toda a comunidade escolar e acadêmica. É preciso reconhecer que cada disciplina, ao trabalhar com seus próprios códigos, linguagens e formas de expressão, oferece oportunidades valiosas para o aluno aprimorar a sua leitura crítica e a sua capacidade de produzir sentidos.
Nesse contexto, o professor de Matemática, por exemplo, contribui para o letramento ao incentivar a interpretação de problemas e gráficos; o de História, ao promover a análise de fontes e discursos; e o de Ciências, ao fomentar a compreensão de textos técnicos e explicativos. Assim, adotar uma perspectiva ampla sobre o letramento significa assumir que formar um sujeito capaz de dialogar, argumentar e intervir de forma fundamentada no mundo requer um esforço articulado, planejado e comprometido por parte de todos os educadores.
Prof. Me. Jivago Oliveira da Fonseca
Docente do Curso de Pedagogia do Centro Universitário Ateneu.
Mestre em Letras, especializando em Design Instrucional e graduado em Letras – Língua Portuguesa.
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