O acesso à justiça e à litigância predatória

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O acesso à justiça é uma cláusula pétrea do Estado Democrático de Direito. Entretanto, como bem sabemos, o mau uso desse direito pode transformar garantias constitucionais em instrumentos de abuso. É nesse contexto que se insere a litigância predatória – fenômeno cada vez mais presente no Judiciário brasileiro, que exige reflexão crítica daqueles que atuam no ensino e na prática do Direito Processual Civil.

A litigância predatória pode ser definida como a utilização do processo de maneira deliberadamente abusiva, com objetivos essencialmente financeiros, desvinculados da real defesa de direitos. Normalmente praticada por escritórios que ajuízam milhares de ações idênticas, automatizadas e desprovidas de fundamentação individualizada. O foco não é o direito violado, mas a chance de obter lucro rápido, por acordos precoces ou sentenças proferidas com base em presunções não contestadas.

Essa realidade, inicialmente restrita a demandas de massa contra grandes empresas (como operadoras de telefonia ou instituições financeiras), hoje se alastra por diversas áreas, inclusive, ações contra o poder público. O resultado é um sistema judiciário sobrecarregado, que vê seus recursos consumidos por ações produzidas em série, e um processo que se distancia de sua função constitucional de realização da justiça.

Do ponto de vista técnico, há inúmeros dispositivos processuais que podem – e devem – ser utilizados para coibir tais abusos. O artigo 80 do CPC, ao tratar da litigância de má-fé, fornece base normativa para a responsabilização dos autores e advogados que se utilizam do processo com objetivos escusos. O artigo 81, por sua vez, prevê sanções como multas e indenizações por perdas e danos. Ainda assim, observa-se uma resistência cultural em aplicar essas medidas de forma mais enérgica, especialmente, quando o Judiciário se vê diante de uma avalanche de ações repetitivas.

Urge, portanto, um novo posicionamento institucional, tanto do Judiciário quanto da advocacia e das instituições de ensino jurídico. É preciso compreender que a litigância predatória não é apenas um problema ético – é um atentado à função social do processo. Ao desvirtuar os princípios da boa-fé, da cooperação e da dignidade da justiça, essa prática corrói a legitimidade do sistema e mina a confiança da sociedade no Judiciário.

Litigar não é pecado. O processo existe para isso. Mas litigar com desvio de finalidade, multiplicando demandas sem base jurídica consistente, é ferir de morte o próprio conceito de justiça, e essa é uma batalha que o Direito Processual Civil não pode perder.

Prof. Anna Cândida Paiva Gomes Ferreira
Docente do Curso de Direito do Centro Universitário Ateneu.
Especialista em Tecnologias na Educação e em Direito Privado e graduada em Direito.

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