A jornada pela história da Filosofia oferece mais do que um acúmulo de saberes; ela propõe um diálogo atemporal com as grandes questões da existência humana. Para o aluno de Administração, especialmente, em um cenário de negócios dinâmicos e digitais, a ética não pode ser vista apenas como um conjunto de normas, mas como um arcabouço de ideias que moldam a liderança, a tomada de decisão e a cultura organizacional. A reflexão sobre o homem e sua autonomia, desde a antiguidade até o existencialismo, serve como uma bússola moral indispensável para o gestor contemporâneo.
A Filosofia Antropológica do ateniense Sócrates [470-399 a.C.] inaugurou um novo olhar sobre a conduta humana, centrando-se na discussão do “conhece-te a ti mesmo”. O seu método, baseado na indagação e na ironia, valorizava a autonomia do ser humano e a busca pela verdade interior. No ambiente de negócios atual, a abordagem socrática se manifesta na liderança que não se contenta com respostas prontas, mas que encoraja o questionamento, a reflexão crítica e a transparência. O gestor que atua como um “coach” socrático estimula a sua equipe a pensar de forma autônoma, a desafiar o status quo e a inovar a partir do conhecimento genuíno. A dualidade entre o “eu” e o “outro” se dissolve em um processo de construção coletiva de conhecimento e de valores.
Avançando para Platão [429-347 a.C.], a discussão se expande para a esfera política e social. A sua filosofia da Polis (cidade) e a ideia de um “mundo perfeito” de ideias convida a pensar sobre o ideal de uma organização justa e harmoniosa. A ética platônica, nos dias de hoje, poderia ser interpretada como a busca por uma governança corporativa ideal, onde a estrutura de poder é orientada por princípios de justiça e sabedoria. Em um mundo digital, onde o fluxo de informações é constante, a ética do filósofo ateniense sugere que a integridade da empresa deve ser um ideal a ser constantemente perseguido, superando as “sombras” da desinformação e da falta de transparência.
Com a ascensão da ética cristã, a moralidade ganhou um novo fundamento. Santo Agostinho [354-430] defende que a ordem moral se origina da ordem divina, e sua máxima de “compreender para crer e crer para compreender” ressalta a interdependência entre a fé e a razão. Na gestão, essa visão pode ser traduzida no princípio de que a ética não é apenas uma obrigação legal, mas um fundamento de valores que deve guiar a cultura empresarial. O amor, como base da imitação de Cristo, inspira a criação de ambientes de trabalho que valorizam o respeito, a empatia e a colaboração mútua. Em uma sociedade digital, essa ética se manifesta no esforço por construir comunidades de trabalho que priorizem o bem-estar e o senso de pertencimento.
Em seguida, Santo Tomás de Aquino [1225-1274] reforça a ideia de uma ordem moral natural, que concede ao ser humano o livre-arbítrio para agir a partir de sua consciência. Essa visão é crucial para a gestão, pois a responsabilidade moral de um indivíduo dentro da organização não é apenas seguir regras, mas fazer escolhas conscientes, assumindo as consequências de suas ações. Em um ambiente digital, onde a linha entre o profissional e o pessoal se esvai, a ética tomista reforça a importância da consciência individual na proteção de dados, na comunicação e na tomada de decisões que afetam a vida dos outros.
Por sua vez a ética iluminista de Immanuel Kant [1724-1804] representa um marco na filosofia moral. A sua ética do dever e da obrigação moral, guiada pela racionalidade, valoriza a autonomia do ser humano como um legislador de sua própria moral. Para Kant, a ação ética não deve ter motivação externa (medo de punição ou busca por recompensa), mas deve ser motivada pelo dever moral de agir de forma universalizável.
No mundo dos negócios, a ética kantiana se traduz na ideia de que as organizações têm o dever moral de agir com integridade, independentemente de crises ou de pressões do mercado. A racionalidade de Kant sustenta a base para os códigos de ética e as políticas de compliance, que buscam garantir que as ações da empresa possam ser aplicadas de forma universal, para todos os stakeholders.
Por fim, a ética contemporânea de Jean-Paul Sartre [1905-1980], com seu existencialismo, coloca o homem em evidência. Para Sartre, o homem “é um ser em construção”, um projeto que se faz e se refaz. Nesse sentido, a liberdade de escolha é a base da existência humana, e a responsabilidade por essa escolha é intransferível. No contexto de negócios e digital, o existencialismo de Sartre defende que o gestor é um ser em constante evolução; ele não é definido apenas por seu cargo ou por suas conquistas, mas por suas ações e escolhas éticas. A cada decisão, o gestor se constrói, e o impacto dessa construção se reflete na organização e na sociedade.
Portanto, a transição da ética clássica à contemporânea não anula o que veio antes, mas oferece camadas de profundidade para a compreensão da gestão. As perguntas socráticas, o ideal platônico de justiça, a fé agostiniana, o livre-arbítrio tomista, o dever kantiano e a liberdade sartriana são mais do que conceitos filosóficos; são ferramentas valiosas para o gestor que busca construir organizações éticas, resilientes e socialmente responsáveis, especialmente, em um cenário digital que exige agilidade, transparência e, acima de tudo, integridade.
Prof. Dr. Ricardo César de Oliveira Borges
Docente do Curso de Processos Gerenciais do Centro Universitário Ateneu.
Pós-doutor e doutor em Geografia, mestre em Administração, tem MBA em Administração e Negócios, especialista em Gestão e Didática do Ensino Superior e em Estratégia e Gestão Empresarial e graduado em Administração de Empresas.
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